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Ivaldo Lemos Júnior
Procurador de Justiça do MPDFT

Vejam o seguinte trecho do romance “O resto é silêncio”, de Érico Veríssimo: “O que há no fundo de todo artista é ainda o menino. O menino que olha o mundo e diz: ‘Eu também sei fazer um céu como aquele, flores iguais às deste jardim, pessoas como aquelas que lá vão’. Há também meninos que em assomos de orgulho exclamam: ‘Eu sei fazer um mundo mais bonito!’. E aí estava a razão pela qual a arte tantas vezes superava a vida. Quando aos surrealistas, cubistas, etc., são meninos esquisitos que gritam: ‘Eu sei fazer um mundo diferente’”.

Igual, melhor ou diferente: de todo o jeito, o artista parece ter uma relação vaidosa e carente com a própria obra, no melhor estilo “gente, olha o que eu sei fazer”. Suspeitar que o mesmo se aplique ao jurista não é nenhuma novidade. Para o magistrado americano Jerome Frank, “legal rules are little more than pretty playthings” (regras jurídicas são pouco mais do que brinquedos bonitos). Karl Llewellyn também usava a mesma expressão.

Observo de camarote Tribunais aplicando leis que não dizem à risca o que eles acham que dizem, ou que acham que deveriam dizer --e esse achar basta. Ou fazem construções demasiado criativas e aplicam leis que simplesmente não existem. Isso é particularmente sensível no direito constitucional, porquanto conceitos como “soberania”, “cidadania”, “dignidade” – apenas para ficar no artigo 1– comportam qualquer fagulha que fogueiras ideológicas venham a queimar.

E agora vem o pulo do gato. No desenvolvimento de qualquer trabalho forense, está subjacente a premissa de que “todo o poder emana do povo”, de tal modo que o papel primordial da Justiça é apurar as condições objetivas em que esse poder pode se concretizar como uma experiência autêntica. Se não for assim, o cenário não é de infantilidade nem vaidade, mas de autoritarismo maquiado de técnica e erudição.

Jornal de Brasília - 17/5/2023

Os textos disponibilizados neste espaço são autorais e foram publicados em jornais e revistas. Eles são a livre manifestação de pensamento de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento da instituição.

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