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Fabiano Mendes Rocha
Promotor de Justiça, Professor da Fundação Escola Superior do Ministério Público do Distrito Federal e Professor do Grupo Educacional Fortium

É postulado constitucional o dever jurídico-social do Estado de viabilizar o efetivo acesso às políticas públicas qualificadas como prerrogativas constitucionais deferidas a todos, impondo ao Poder Público o adimplemento dessa obrigação.

As políticas públicas constitucionais, como direitos fundamentais de segunda geração, exprimem uma exigência no plano do sistema jurídico-normativo, qual seja, a solidariedade social com a intromissão dos preceitos de dignidade da pessoa humana e cidadania, por isso, o Estado tem um débito a saldar com a coletividade (Direito de Crédito) mediante a concreta efetividade das políticas públicas de alto significado social e indiscutível valor constitucional – prestação positiva, sob pena de caracterizar-se inação pública e pleno menosprezo do compromisso constitucional – inconstitucionalidade por omissão.

O Ministério Público não está legitimado a arvorar-se na função de verdadeiro executor de políticas públicas, de maneira a manejar a ação civil pública para valorar a conveniência e a oportunidade de suas implementações, pois, tal ônus, reside, originariamente, no Poder Legislativo e no Poder Executivo, sob pena de configurar indevida ingerência do Ministério Público no poder discricionário do Executivo.

Destaca-se, contudo, que o Poder Público não dispõe de um amplo espaço de discricionariedade que lhe outorgue uma ilimitada liberdade de atuação, mas, ao contrário, há uma limitada discricionariedade estatal em tema de efetivação de políticas públicas constitucionais – educação, saúde, segurança, cultura, meio ambiente…

Bem na verdade, há uma circunstância juridicamente vinculante para o governante, que deve prioritariamente efetivar políticas públicas constitucionais, com o mínimo existencial garantido, pois, é de se reconhecer, que a discricionariedade foi realizada pelo próprio Constituinte.

Ordinariamente, os gestores administrativos, para justificarem a inércia do cumprimento do caderno constitucional, lançam argumentos pautados na razoabilidade de que o orçamento público não permite, quer-se dizer: a carência do aporte de recursos para financiar as políticas públicas limita a atuação estatal e a possibilidade de ampliar o atendimento das necessidades sociais.

Não se desconhece a limitação orçamentária para a implementação das políticas públicas e, por isso, importante encargo recai para o Ministério Público, a fim de comprovar objetivamente a capacidade orçamentária estatal para exigir a imediata efetivação do comando constitucional, pois a limitação material econômico-financeira afasta a razoável exigência de cumprimento.

Denota-se, contudo, que não se pretende autorizar com isso uma manipulação orçamentária estatal, o que é indiscutivelmente censurável, quiçá abuso governamental.

Por imperativo constitucional, o Ministério Público, Órgão defensor do interesse social, da ordem jurídica e do regime democrático, está legitimado a pleitear junto ao Poder Judiciário que emita norma jurídica individualizável para o caso concreto e, assim, está ele – Ministério Público – autorizado constitucionalmente a se imiscuir na concretização de políticas públicas sociais em situações de patente inércia estatal, que, por sua vez, insiste o Poder Público em deixar de concretizar os preceitos constitucionais, tornando-os, assim, inoperantes e inexequíveis, abstendo, dessa forma, do dever imposto pela Carta Magna, com inequívoco comportamente de violação negativa do texto maior.

A referência de decisão judicial como norma jurídica individualizada, como cediço, está em Niklas Luhmann, que abandona as bases do Estado Liberal, fazendo prevalecer o pós-positivismo que caracteriza a atual Jurisdição Constitucional, impondo ao juiz o dever de compreender as particularidades do caso concreto e, com base na normal abstrata e geral, emitir uma decisão conforme as disposições e princípios constitucionais, construindo para o caso concreto a norma jurídica (= norma legal conforme a Constituição Federal), sobre ela exercendo o controle de constitucionalidade e a regra do balanceamento dos direito fundamentais.

Legitima-se, dessa forma, a concretização da dimensão política da jurisdição constitucional em tornar efetivo os direitos fundamentais – eficácia da própria Constituição Federal – quando negados pela inaceitável inércia governamental, que compromete o próprio caderno de encargos constitucionais e, assim, ofende os princípios e a eficácia e a integridade dos direitos individuais e coletivos.

Não se ignora, ainda, a questão da reserva do possível. A necessidade de preservação, em favor dos indivíduos, da integridade e da intangibilidade do núcleo consubstanciador do mínimo existencial. A liberdade de conformação do Estado, em tema de implementação de direitos assegurados pelo próprio texto constitucional, está vinculada ao postulado da supremacia da Constituição.

Tais preceitos expostos estão em perfeita harmonia com a concepção de novo modelo estatal, que tem como valor-fim a justiça social e a cultura, numa democracia pluralista exigida pela sociedade de massas do século XX (Pinto Ferreira) e, por isso, o Ministério Público atua constitucionalmente para determinar ao Poder Público que salde o seu débito, isto é, a prestação positiva dos valores inerentes à dignidade da pessoa humana e cidadania, como é o caso das políticas públicas sociais-constitucionais.

Revista Eletrônica da Justiça Federal , nº 2, ano 1, maio/2009

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