Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Um dos filmes mais aclamados de todos os tempos é “O Poderoso Chefão”. Suas cenas são tão icônicas que é até difícil dizer qual a mais memorável, talvez cada um tenha a sua predileta.

Merece destaque aquela em que Michael, o herdeiro do posto de “Don” dos Corleone, tenta explicar à noiva, Kay, que seu pai – que ela sabe que não é flor que se cheire, mas não sabe nos mínimos detalhes porque – não é diferente de qualquer outro homem influente, como um presidente ou um senador. Kay retruca, perguntando se ele não se dá conta de sua ingenuidade; afinal, presidentes e senadores não mandam mandar ninguém. Michael a crava com um olhar condescendente e replica: “quem está sendo ingênuo, Kay”?

O tema central da obra está na passagem de Michael do mundo legal (ou “civil”) para o do crime organizado, um movimento perigoso, com consequências radicais e, sobretudo, irrevogável. Pelo resto da vida Michael tenta retroceder à linha ou ao menos viver panglossianamente no limite de cada lado, e nunca consegue fazê-lo.

Eis a questão: os dois mundos coexistem, não são paralelos nem de todo incompatíveis em termos de exercício do jogo político. Eles se tocam bem mais do que as pessoas comuns possam perceber ou imaginar (essa é a tese do ex-agente do FBI Joe Pistone, pioneiro no trabalho de infiltração no crime organizado). Os Corleone sabiam discernir as ramificações, de modo especial quando era conveniente manter o teatro de aparências do sonho americano, mas achavam que produziam os mesmos frutos, e os McCluskeys e Pat Gearys da vida são a regra, não a exceção.

Uma raiz que, essa sim, não pertencia à mesma árvore, era a da intimidade familiar. E era tão mais forte, que Michael se permite entrar para os negócios do pai, vencendo o próprio plano original, a fim de resguardar o seu poderio. Don Vito era simplesmente o homem mais rico dos EUA.

Jornal de Brasília - 12/7/2023

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