Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Talvez você não consiga entender porque nem sempre se encontram soluções jurídicas com a mera leitura da constituição ou das leis. Ambas são redigidas na forma de artigos (subdivididos ou não em parágrafos, incisos e alíneas), também chamados de “dispositivos”. Estes são compostos por palavras que, por mais imperativas que se pretendam ser, e por mais claras que aparentam ser – ou que sejam efetivamente --, não passam de hipóteses quanto o assunto é o seu emprego na vida prática. É apenas a metade da história.

A outra metade é a ligação que o aplicador vai fazer, juntando as duas pontas -- fatos e expressões --, o que funciona não como quem coloca mecanicamente um plugue na tomada, mas como quem chega à conclusão de que aquele plugue corresponde àquela tomada e vice-versa, ou seja, pela via da interpretação. Isso significa que muitas vezes o óbvio é enganoso.

A constituição é uma partitura à espera de ser transformada em música pelos instrumentistas. Leis não são um convite para uma festa, mas um “save the date”, em que o convidado só tem a projeção do evento, o policitante, o dia e mais nada. Confundir norma com lei é confundir a expectativa com a festa, a partitura com a obra.

Interpretação é algo pneumático porque envolve elementos semânticos, geográficos, históricos (o simples passar do tempo pode mudar o dispositivo, sem mudar um único vocábulo, ou pode ser o velório da “letra morta” da lei), poéticos. Sim, poéticos. A construção legal talvez seja exangue, pobre, “silogística”, mas também pode ser criativa, complexa, bonita. E, claro, também pode ser uma deslavada cara de pau, de quem quer safar o cliente da cadeia e o resto que se lasque.

Na verdade, na verdade, as palavras e o plugue não são duas metades do mesmo jogo. Pode ser que o plugue caiba na tomada mas o aparelho não funcione. Há outros fatores escondidos.

Jornal de Brasília - 27/9/2023

Os textos disponibilizados neste espaço são autorais e foram publicados em jornais e revistas. Eles são a livre manifestação de pensamento de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento da instituição.