Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Você vai lutar boxe e, na preparação, vê seu adversário colocando uma ferradura dentro da luva. Um lance sujo, evidentemente, ilícito, inaceitável (embora um tanto folclórico porque a luva também serve para proteger as próprias mãos e a essência desse esporte consiste, basicamente, em que o rosto do oponente que se lasque). Ele até dá uma olhadinha para você, lança um risinho sórdido, como quem diz, “e aí, que que você vai fazer?”.

O treinador dele também te olha, não ri, não fala nada, não é tão cínico quanto o pupilo, mas é conivente com a ferradura. Aliás, é ele que está calçando as luvas do pupilo, com gente passando, sem segredos, está deslavadamente na cara que “o sistema” (ou “o mundo”) está contra você e que você vai ter que entrar no ringue desse jeito mesmo, sem ferradura, e o outro, com.

Segundo cenário: o mesmo adversário, o mesmo treinador, a mesma ferradura, mas agora a coisa é feita às escondidas, eles estão em uma sala com a porta fechada, você os surpreende ao entrar sem bater, para desejar ingenuamente boa sorte, eles tomam um susto, ficam sem graça, tentam disfarçar.

Aqui o contexto é diferente, há um clima – ou seja, um ambiente potencialmente favorável – para você tomar uma providência. Pode denunciar e se recusar a lutar ou, subsidiariamente, lutar desde que a ferradura seja retirada na sua frente. Para isso, você precisará acionar o sistema e este terá de corresponder às suas expectativas, que são justas. Mas se você descobrir que o sistema está corrompido e fará vistas grossas ou mesmo endossará a ferradura, a coisa volta para a estaca zero e o segundo cenário é mais insidioso do que o primeiro.

E ainda: o teste obedece ao critério do “principiis obsta”. Você tem de agir imediatamente. Se deixar para lá, a próxima luta, se houver, será pior do que esta. O problema não será o sistema, e sim o clima.

Jornal de Brasília - 4/10/2023

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