Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Aprendemos na escola que água é insípida, inodora e incolor. Ou seja, sem sabor, sem cheiro e sem cor. Mas não é invisível, não é intangível, não é abstrata. Existe na natureza e pode ser usada para lavar o corpo, a louça, as roupas, serve para refrescar do calor, para regar as plantas e até para matar. Água mata sim. Abandone uma pessoa no meio do oceano e ela morrerá de água, se não morrer de tubarão antes.

O uso mais corriqueiro da água é o beber. E também o mais cativante, se for sem a ajuda de utensílios como copos, garrafas, canudos. Com as mãos mesmo. “Haverá ainda, no mundo, coisas tão simples e tão puras como a água bebida na concha das mãos?”, perguntou Quintana. Tanto melhor se quem o fizer for uma criança pequena, que é então uma pureza bebendo outra. É um resgate do reino edênico aqui mesmo na vida terrena – se lá houvera crianças. Ou pelo menos se os adultos não tivessem sido expulsos.

Popper dizia que o modelo do real é algo que uma criança possa pegar e colocar na boca; depois há uma expansão conceitual para coisas muito pequenas ou grandes demais. A atividade científica obedece a essa lógica e por isso suas expressões mais típicas se dedicam a estudar materialidades, mesmo que não consigam dispensar microscópicos ou telescópicos. Ou são dominadas pela via da construção (física e/ou mental) de modelos da realidade que se pretende capturar, novamente com o recurso de aparelhos artificiais mas, sobretudo, pela força da imaginação e da criatividade. O único problema é esquecer que isso é uma perda, não um ganho.

Na peça de Shakespeare, Othelo cai na armadilha de Iago e chama a mulher, Desdêmona, de “false as water” (falsa como água). Emilia contesta, dizendo que, ao afirmar isso, ele é que “rash as fire” (imprudente como fogo) e “ignorant as dirt” (bruto como sujeira). É isso aí, Emilia! Acusar é uma arte!

Jornal de Brasília - 8/11/2023

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