Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Millôr Fernandes dizia que a coisa mais difícil é diferenciar um intelectual de um pseudointelectual. Nas áreas humanas, isso é particularmente tormentoso, a menos que ele se permita passar pelo escrutínio de um debate presencial e aberto -- hipótese improvável no ambiente acadêmico, que costuma se organizar em enclaves ideológicos --, em que muito tem a perder e nada ou quase nada a ganhar.

Em outras ciências, biológicas e exatas, grassam renhidas controvérsias, claro, mas há chance mais substancial do teste comunitário de teorias e proveito “erga omnes” de seus produtos. Aparelhos e medicamentos podem ser experimentados, números e informações podem ser checados, foguetes e robôs podem ser usados e desenvolvidos.

O que é mesmo “notável saber jurídico”? Como verificar isso com grau de certeza suficiente? O primeiro critério são os livros do candidato, tanto em termos de quantidade como de qualidade. Depois vêm titulação acadêmica, cargos, funções e fama.

Tomemos como exemplo Pontes de Miranda e sua obra-prima, o Tratado de Direito Privado, composto por 60 grossos volumes, com citações, dizem, de uns 11.000 autores. Convenhamos, impressionante! É ou não é de cair o queixo, ao menos pela extensão? Pelo conteúdo, só lendo para saber. Pergunte a seu tio advogado (o tio Rubão), no bobó de camarão de domingo, quantos tomos do Tratado de Pontes ele leu e o que achou. Mas pergunte na chincha, entre uma garfada e outra, na frente de toda a família e agregados.

Você, leitor leigo, estaria disposto a concordar que esse Pontes de Miranda, do qual acabou de ouvir falar, foi um grande jurista? E você, tio Rubão, que leu pouco, pouquíssimo ou nenhum Pontes, crava sem medo a mesma resposta óbvia? Ou fica preso na armadilha de que, se Pontes, Clóvis, Teixeira, Carvalho ou Reale, se essa gente não tinha NSJ, afinal, quem é que o tem?

Jornal de Brasília - 13/12/2023

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