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Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

De vez em quando você escuta a locução “crime inafiançável”. As pessoas enchem a boca para proferi-la, como se designassem algo formidando, feérico. Crime “inafiançável” evoca perfumes mais infernais do que os dos círculos do “hediondo”, do “gravíssimo” ou outros adjetivos que desafiam nossa capacidade de assimilação. É por causa da ortoépia. “Inafiançável” é um vocábulo vistoso, de 1.96 de altura, musculoso, queixo quadrado, cara de mau. Pronuncia-se cada letra com uma exemplar coincidência entre o gabarito escrito e a oralidade vacinada contra sotaques e falhas apressadas, como erros de concordância mínimos porém humilhantes.

No trato jurídico, “crime inafiançável” aparece nada menos do que 4 vezes na Constituição Federal. Não é pouco. Eis que assim se qualifica, lado a lado com a imprescritibilidade, o racismo e “a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático”. Tráfico de drogas, tortura e terrorismo, além de inafiançáveis, são outrossim insuscetíveis de graça e anistia. Deputados e senadores não podem ser presos senão em flagrante por – lá vem ele -- crime inafiançável, e a Câmara ou o Senado têm 24 horas para “resolver sobre a prisão” (art. 53 § 2o).

Observando mais atentamente, quanta decepção. Fiança é uma garantia real que o preso provisório presta à Justiça para se livrar solto, em geral com dinheiro, mas pode ser com pedras, objetos ou metais preciosos, títulos da dívida pública e primeira hipoteca (CPP, art. 330). Na vida real, se o juiz afiançar a liberdade é porque entendeu que não é o caso de cautelar preventiva; no dia seguinte, basta o advogado alegar que o preso não tem um tostão furado e ele sai de graça. Isso acontece toda hora.

P.S. Este é o artigo nº 700 em toda a minha carreira, a maior parte aqui, no Jornal de Brasília, o melhor jornal do mundo.

Jornal de Brasília - 3/1/2024

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