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 Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT

O direito é manifestado pela via linguística, e isso é positivo em muitos aspectos, mas apresenta um inconveniente: é que as palavras captam apenas em parte o que as coisas realmente são. Isso não se dá só com expressões técnicas e estéreis (o tal “juridiquês”), mas com termos largamente compartilhados pelo vulgo, como “pessoa”, “coisa”, “propriedade”. Para o direito, “coisa” é mais do que um “troço”; é um objeto mais ou menos ideal que tem significado próprio, ou uma “natureza jurídica”, paralela ou até contrária ao convencionado pelo senso comum.

Com efeito, o direito pode contrariar o senso comum, ao definir, por ex., que um navio é um bem imóvel, ou que primos são parentes entre si de quarto grau. Vocábulos como “repetição” e “tradição” são equívocos porque nada têm a ver com os seus significados usuais.

Assim, o universo do direito se fecha um pouco e se releva como uma expressão cultural, digamos assim, extra-somática. Age até mesmo de modo “ilógico”, o que incentiva muitos intérpretes a dar um toque de espontaneidade, criando válvulas de escape um tanto pessoais. É quase irresistível a tentação de o hermeneuta legislar a pretexto de interpretar, movido não mais do que por seu próprio instinto de justiça. Esse risco é inevitável porque a lei jamais prescindirá do seu intérprete, daquela pessoa humana que a convidará para formar consigo uma relação produtiva. Existem, sim, leis mais e menos perfeitas. Mas nenhuma lei é perfeita o bastante para se aplicar sozinha: “por sermos, o objeto é” (K. Jaspers).

Por fim, há objetos ideais de altíssimo nível de abstração -- conhecidos como princípios jurídicos – que, em razão da amplitude de seu potencial conteúdo, pode atravessar diversos momentos históricos e semânticos sem sequer necessidade de atualização redacional. Um bom exemplo é a “dignidade da pessoa humana”, que não significa absolutamente nada, e por isso vem servindo para justificar coisas que jamais foram vistas como dignas, desejáveis ou mesmo aceitáveis, como a permissão para a prática do hediondíssimo crime do aborto. Nessas horas, os princípios são trabalhados não na relação englobante entre norma e intérprete, mas como pretexto para unir as pressões do terreno da pré-política e o desejo carbonário de poder, de dar a última palavra.

Jornal de Brasília

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