Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Edith Eva Eger era uma judia húngara de 17 anos que foi deportada com a família para Auschwitz, na Polônia. Quem fazia a triagem dos recém-chegados era o Dr. Mengele, vulgo “Anjo da Morte”. Ele perguntou se a mulher que a acompanhava era sua mãe ou sua irmã e Edith, desavisada quanto às consequências da resposta, confirmou que era a mãe. Esta foi colocada em outra fila, a de idosos e inaptos para o trabalho forçado, que deveriam seguir o quanto antes para o gás.
Naquele mesmo dia, a garota compreendeu que a mãe não tinha sido levada para tomar banho, como diziam na seleção, num artifício usado para não causar tumultos.
Semanas depois, Mengele visitou o barracão onde Edith estava e pediu para ela dançar, pois havia sido informado que ela fora ginasta e bailarina. Uma orquestra começou a tocar a valsa das valsas – o “Danúbio azul” --, que ela obviamente conhecia bem. Mengele estava acompanhado de outro oficial, para os quais moças, “entre as centenas, serão mortas”, como narrou em seu livro de memórias; “se eu perder um passo, se fizer algo que o desagrade, posso estar entre elas”. E assim dança, sentindo-se como Eurídice no Inferno ou Salomé diante de Herodes.
Em outra cena de guerra, o capitão alemão Hosenfeld descobre um mendigo – na verdade, o emérito pianista Szpilman – morando escondido em sua casa, em Varsóvia. Quando o mendigo diz sua profissão, o capitão pede para ele tocar algo. Ele toca. Mas desse tocar não dependia sua vida, ao contrário dos pliês e elevês de Edith. Hosenfeld era nazista do uniforme Hugo Boss para fora; por dentro, nada tinha de nacional-socialista, odiava a guerra e suas matanças.
A pergunta é: você gostaria de viver em um mundo em que autoridades podem te destruir por um capricho e um estalar de dedos? Se não, o que fazer para evitar – ou reverter – que pessoas concentrem tanto poder assim?
Jornal de Brasília - 28/2/2024
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