Seu navegador nao suporta javascript, mas isso nao afetara sua navegacao nesta pagina MPDFT - Corrupção: não é esquema. É sistema.

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Sérgio Bruno Cabral Fernandes
Promotor de justiça do MPDFT

Toda vez que você ouvir falar em “Esquema de Corrupção”, troque a palavra “esquema” por “sistema”. Isso vai fazer uma grande diferença. Será como desembaçar os óculos com a manga da camisa. Sistema é uma daquelas palavras banalizadas pelo uso cotidiano, mas cujo significado é extremamente útil se corretamente compreendido.

A expressão “corrupção sistêmica” é usada rotineiramente para significar uma corrupção espalhada por várias esferas de poder, por diversos órgãos e entes públicos. No popular, diríamos que temos uma corrupção sistêmica quando “está tudo dominado”.

Na realidade, essa percepção descreve o resultado do fenômeno, porém não traduz exatamente o seu significado. Ajustar o foco em relação à palavra “sistêmica” permite enxergar o funcionamento da corrupção e lidar com o problema de modo efetivo.

O mundo é um grande sistema feito de sistemas. Você mora numa cidade (sistema urbano) e provavelmente trabalha para alguma organização (sistema) e tem uma família (sistema). Para conseguir ler essas linhas você teve que aprender a lidar com um sistema chamado alfabeto, que o levou ao sistema chamado linguagem. Quando ainda aprendia articular as palavras, você foi inserido no sistema de ensino. O seu bom desempenho no sistema educacional somente foi possível porque o seu sistema corpo humano colaborou de maneira decisiva. Sim, você é feito de sistemas (digestivo, respiratório, neurológico, imunológico) e seus sistemas são feitos de outros sistemas (células e tecidos).

Sistema, portanto, é um conjunto de coisas (qualquer coisa, podem ser células, animais, pessoas, países, planetas, entre outros) cujas conexões e relacionamentos produzem, ao longo do tempo, um comportamento no todo.

Alguns sistemas são simples, pois a interação de seus elementos produz efeitos previsíveis, como geralmente ocorre com as máquinas em geral (computadores, aviões). Por outro lado, há sistemas cuja interação entre seus elementos é capaz de produzir comportamentos inéditos e imprevisíveis. São os chamados sistemas complexos adaptativos. Nessa categoria estão os sistemas “vivos”, como os sistemas naturais e os sistemas sociais.

Pois bem, quando enxergamos a corrupção com “lentes de sistema” percebemos que a corrupção não é apenas um fenômeno isolado, que ocorre esporadicamente, como um terremoto que chacoalha a terra de tempos em tempos e depois cessa. Tampouco trata-se de um sistema simples, cujo comportamento segue regras previsíveis como um computador que obedece fielmente aos comandos.

Corrupção, na realidade, é um produto de diversos sistemas sociais interagindo. Estes são, por excelência, sistemas complexos e adaptativos. Isso significa que a interação entre seus elementos pode produzir comportamentos inéditos, não encontrados em nenhum de seus elementos, quando vistos isoladamente.

Além disso, sistemas complexos se adaptam e apreendem com a experiência, o que torna seu comportamento incerto, especialmente a longo prazo. E é justamente aqui que reside a chave da compreensão do fenômeno da corrupção.

O primeiro passo é entender que sistemas complexos possuem características próprias, as quais não conseguimos enxergar quando olhamos individualmente para cada um dos elementos do sistema.

Sistemas são feitos basicamente de elementos, interconexões (relações, interdependências) e propósito (função). Os dois últimos são especialmente importantes quando lidamos com sistemas complexos.

Uma organização criminosa que se dedica à prática de crimes contra a Administração Pública, por exemplo, é um sistema complexo cujos elementos são agentes públicos, empresários e lavadores de dinheiro. Esse sistema possui diversas interconexões entre seus elementos e, também, com outros sistemas (político, econômico, de informação). O propósito dessa organização criminosa é desviar dinheiro público e conquistar poder político por meio da prática da corrupção.

Temos a tendência de enxergar a corrupção como uma linha reta, ligando corrupto e corruptor. Contudo, ela mais se assemelha a uma grande teia na qual não se pode determinar ao certo onde ela começa e onde termina. E, mais importante ainda, uma teia na qual o simples toque (intervenção) em uma das extremidades irá gerar vibrações (consequências) nas outras pontas da teia (outros sistemas). Imagine a intervenção em um grande sistema de corrupção, envolvendo agentes políticos de alto escalão e relevantes atores do sistema econômico de um país. Certamente haverá “vibrações” em outros sistemas, como o sistema eleitoral e o social, com consequências de difícil previsão a longo prazo.

Perceba o quanto enxergar o problema de uma forma sistêmica muda nossa perspectiva das coisas. Enxergar o Sistema em vez de apenas o Esquema (evento pontual) tem repercussões práticas, pois você passa a enxergar o problema por inteiro e não apenas uma das fachadas do imbróglio. E, o mais importante, é que a solução de problemas complexos, geralmente, não está no aspecto mais visível.

Compreender corretamente um problema representa grande parte da solução. Albert Einstein disse que se tivesse uma hora para resolver um problema iria gastar 55 minutos tentando entender o problema e cinco minutos tentando resolvê-lo.

No caso da corrupção normalmente ocorre o inverso. Gasta-se muita energia para resolver um fenômeno mal compreendido. Enxergar a corrupção com lentes de sistema é o primeiro passo para se compreender o problema.

Portal Jota - 2/3/2024

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