Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Vamos supor que se descubra que o candidato a uma poltrona do STF, indicado pelo Presidente da República e no aguardo de sabatina no Senado, tenha 20 ou 30 mil reais de dívida em multas de trânsito. Vamos imaginar também que você seja Senador e, nessa qualidade, avaliará se o postulante goza de “reputação ilibada”, que é uma das únicas exigências previstas na Constituição para o ocupante do cargo máximo do Judiciário pátrio. A pergunta é: você acha que esses 20 mil obsedam o requisito constitucional, muito, pouco ou nada?
Particularmente, eu gostaria que as multas, uma por uma, fossem esclarecidas no detalhe, e que o candidato fosse instado a explicá-las. Houve uma variedade de infrações? As por excesso de velocidade, foi por pouquinha coisa ou bem acima do permitido? Quanto? Ele perdeu a carteira? Se sim, devolveu ou continuou guiando assim mesmo? Por quanto tempo? Por que não pagou? Ou pagou algumas multas e questionou outras? Colocou a culpa na mulher? Será que ele é tão genial e esse negócio de multa de carro é coisa mundana demais para o seu intelecto?
Todas essas indagações só podem ser respondidas dignamente à luz de um conhecimento circunstanciado, para se ter um quadro claro sobre o caráter e o comportamento do supremável. E também para se ficar tranquilo ou preocupado se ele terá condições morais de julgar demandas relacionadas às leis do trânsito, mesmo que dirigir mal não seja um defeito moral em si e, convenhamos, no STF, ele terá viatura e motorista à disposição e não precisará se preocupar com nada isso.
Dá para melhorar o cenário para o candidato (abaixando a conta para uns 500 ou 800 reais), ou piorar (uma lesão corporal mal explicada, uma malha fina, uma maconha na juventude). Assim como dá para refletir se Senadores são as pessoas mais autorizadas para decidir quem tem e quem não tem reputação ilibada.
Jornal de Brasília - 3/4/2024
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