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Sérgio Bruno Cabral Fernandes
Promotor de justiça do MPDFT

O show era um tributo a Rita Lee. O endereço, 712/912 Sul, pode soar árido para um forasteiro, mas, para mim, nascido e criado na Asa Sul, era como se estivesse voltando para casa. Apesar de a região ser “a minha praia”, tive dificuldade de identificar um local na área onde poderia funcionar um restaurante com música ao vivo. Fiquei até meio ofendido quando minha esposa ligou, “só pra garantir”, o Waze.

No caminho, continuei tentando desvendar o enigma. O meu GPS mental só localizava a UPIS e o Sigma, nada parecido com nosso destino. Tentando competir com o navegador, fui colocando os neurônios para recalcular o destino, e nada novo surgia. Só aparecia o Hospital Naval e o colégio Santo Antônio. O processamento de cinquenta e poucos anos de dados continuou até que a minha defasada 1. A. (Inteligência Autêntica) fez o download de um resultado inesperado: a única coisa parecida que havia ali era o antigo Bar do Ceará. Será?

Minha investigação foi interrompida quando, ao passar em frente ao Clube dos Previdenciários, a Cris falou para os nossos filhos: “Olha! Foi aqui que gente se conheceu. À gente fazia natação juntos!”. S A empolgação dela foi genuína, mas não contagiou os adolescentes que olhavam aquela fachada completamente “aleatória”.

Por outro lado, a lembrança catalisou ainda mais minha viagem ao passado. Logo adiante pude constatar que, de fato, o antigo Bar do Ceará, muito frequentado por quem não frequentava as aulas de física do Sigma, havia ganhado roupa nova e música de qualidade.

Estávamos em cima da hora e chegamos apressados, com aquela sensação de “Agora só falta você”. Arrasta uma mesa daqui, puxa umas cadeiras dali, pede “desculpa pelo auê” e rapidamente já estávamos acomodados ouvindo “Não adianta chamar/ Quando alguém está perdido/ Procurando se encontrar. . .

Após o ótimo show, caminhamos até o carro e, quando percebi, havia estacionado em frente à casa de uma antiga amiga, onde, décadas atrás, numa festa, aconteceu o primeiro beijo.

Virei para os meus filhos e anunciei como um guia turístico que aponta para a Capela Sistina: “Foi nesta casa onde houve o big bang, a origem de tudo, onde a história de vocês começa!”. Percebendo que eles não estavam assimilando a mensagem, a Cris simplificou: “Foi aqui que a gente começou a namorar”. Dessa vez, eles ficaram mais interessados. “Conta como foi!!!”,

Essa história puxou outras e, quando vimos, estávamos rodando pela região e topando com flashbacks a cada retorno. Aventuras na 309 Sul - aqui era o (bar) Estação 109 e ali, perto do Beirute, o Arabeske. Naquela esquina (sim, mineiros, existe), ficava uma carrocinha de cachorro-quente chamada apenas de O Dog. Passamos pela sorveteria Mokas, que segue de mãos dadas com a Carne de Sol 111 na parte de cima da ampulheta, driblando o escoar do tempo. E a lista de lembranças foi crescendo. Cada entre quadra trouxe um personagem, um amor antigo e um segredo que “hoje é bobo, ninguém quer saber” (a propósito, Oswaldo Montenegro também morou na Asa Sul).

Mas o show da cantora Ana Manso era em homenagem a Rita. O repertório da Ovelha Negra é como uma ressaca boa, você passa os dois dias seguintes com mania de Rita, cantarolando algum hit de novela. Por conta daquela viagem ao passado, o que ficou em mim foi uma versão feita por ela de uma música dos Beatles. A belíssima canção Minha Vida foi o combustível perfeito para a máquina do tempo que nos levou de volta para o passado naquela noite: “Tem lugares que me lembram/Minha vida, por onde andei/As histórias, os caminhos/O destino que eu mudei/Cenas do meu filme em branco e preto/ Que o vento levou e o tempo traz/Entre todos os amores e amigos/De você me lembro mais. . .

Após visitar diversos “personagens do meu livro de memórias”, voltei ao presente e percebi que nossa capital, com a maturidade, ganha atrativos que vão além do urbanismo em forma de avião. Nos seus 64 anos, Brasília é uma máquina do tempo para quem cresceu aqui. Às asas desenhadas por Lócio Costa foram, naquela noite, o meu Delorean, carro voador que assisti Marty McFly viajar De volta para o Futuro, no Cine Karim, em 1986.

Correio Braziliense - 21/4/2024

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