Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

A vida pública de Ilhéus, no apagar das luzes da República Velha – tal como retratado por Jorge Amado em “Gabriela” – era uma confraria de produtores de cacau, os “coronéis” da região. Eles nutriam entre si uma relação de concorrência, mas também de interesses comuns, e estes falavam mais alto que aquela. As coisas estavam boas para eles, que vendiam aos montes e enricavam. Mas não percebiam um sinal de alerta: a massa estava insatisfeita.

Os fazendeiros tinham uma espécie de macho alfa, o coronel Ramiro. Poderoso e temido, ele controlava a política local, mas de maneira obsoleta, míope, estúpida, empenhado em tirar vantagens pessoais e compartilhá-las apenas com seus pares. Quem se rebelasse sofria com as consequências de sua ira, sem ter como reagir à altura. Quem sabe, fugir, se conseguisse. O normal era ser eliminado.

Nesse clima de sufoco de liberdades e divisão canhestra de prerrogativas, há duas saídas. Ou os coronéis brigam entre si ou, melhor ainda, aparece alguém de fora. Ou seja, as estruturas são abaladas por dentro ou por fora. E então, como um “deus ex machina”, surge na terrinha um alienígena: Dr. Mundinho Falcão. Rico, habilidoso, empreendedor, com contatos na capital federal, ele tem as credenciais certas para remover a ferrugem da cadeia alimentar.

Mundinho começou comprando a produção cacaueira, pagando mais que o mercado e, assim, ganhou a simpatia dos coronéis, que o viram como um parceiro sólido. Depois, convenceu-os de que a modernização da barra e das estradas aumentaria os lucros, pois o escoamento seria mais rápido e barato. Era preciso investimento, claro, mas valeria a pena. Enquanto isso, montou um jornal para amplificar a voz favorável a seus projetos.

Ramiro era pura ferrugem. Ele encarnava a força bruta, as votações de cabresto, as vozes dissidentes caladas e a sustentação popular de araque.

Jornal de Brasília - 22/5/2024

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