Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Em 1907, o historiador e sociólogo italiano Guglielmo Ferrero agendou uma visita a Buenos Aires, a convite do jornal La Nación. Aqui no Brasil se soube disso e se fez um esforço para trazê-lo para a Corte, no Rio de Janeiro. Ferrero, que se radicara em Paris, onde publicava artigos na primeira página do Le Figaro e lecionava no principal auditório do Collège de France, foi contactado pela Academia Brasileira de Letras. Acabaram combinando 14 palestras no valor de 40.000 francos (a proposta inicial eram 10.000 liras).
A primeira conferência, sobre “A cultura latina no momento atual”, contou com a presença do presidente da República, Afonso Pena, dignitários governamentais e intelectuais. Só que o número de 14 foi caindo para 8, depois 6, e, no final, não passaram de 5. O resto do tempo foi consumido em banquetes e passeios.
Os honorários, esses não diminuíram. Em moeda nacional, foram uma fortuna de 50 contos de réis (pesquisas na internet mostram variadas conversões para real, que chegam a milhões). A ABL não tinha sede própria nem patrimônio. Não tinha um vintém no caixa. Cada imortal tirava do próprio bolso cinco mil-réis para participar das sessões, tantas vezes com quorum minguado, o que ameaçava a continuação da entidade. Até as eleições para novos membros tinham grande abstenção, mesmo se podendo votar pelo correio.
Pois sabe quem pagou os 500 mil-réis? O governo. Mais exatamente, o orçamento de dois ministérios, da Viação e do Exterior. E não é certeza que a presença de Ferrero tenha sido tão proveitosa quanto prometia. O presidente da ABL, Machado, fez elogios, mas o colega de fardão Euclides da Cunha se disse “desiludido” e “desapontado”, e lamentou a “glorificação das mediocridades”. Sobrou até para a mulher do visitante (filha de Cesare Lombroso), rotulada de “a mais feia e mais encantadora” que já tinha visto.
Jornal de Brasília - 12/6/2024
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