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Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

Você chega em casa e tem uma surpresa desagradável: a sala está toda revirada. Livros e quadros pelo chão, vasos aos cacos, uma bagunça danada. O que aconteceu? Entrou ladrão. Depois, com calma, você percebe um rombo na janela e sente falta de diversos itens. E ainda fica sabendo que houve um arrastão na rua. Então confirma a hipótese de que entrou ladrão.

Acontece que tanto o diagnóstico preliminar quanto o definitivo não são propriamente “fatos”, mas a conclusão de dados convergentes que desfilam diante de seus olhos: os objetos não estão como na hora em que saiu. O conjunto é o que levará a uma compreensão do cenário, mas com a articulação de um raciocínio e uma decisão. Tanto assim que, se a confusão for a mesma mas você não der falta de nada, por mais que tenha feito um inventário meticuloso, o cenário estranhamente muda.

Se não houver janela arrombada nenhuma, o cenário também muda. Pode ter sido seu ex que ainda tem chave e, rancoroso, resolveu fazer uma visita de cortesia. Talvez o cachorro tenha aprontado. Ah, não tem ex? Não tem cachorro? Então só há a suspeita inicial, não enriquecida do gabarito, ou seja, sem o exercício de correspondência que os escolásticos chamavam de “verdade”.

Se você chamar um policial, talvez por fragilidades burocráticas, ele deve sacar a Navalha de Occam e se contentar com o afogadilho ainda que precário – aquele mesmo entrou ladrão -, em vez de proceder a uma investigação aprofundada mas inconclusiva. Ele não pode afirmar o que foi subtraído simplesmente porque nunca estivera ali antes.

Com a Justiça é ainda pior, porque ao menos o policial foi à cena e teve algum contato direto com o suposto crime (que pode levar, por exemplo, à coleta de impressões digitais e se descobrir o intruso). Para o juiz, é como aqueles jogos dos 7 erros, mas o gabarito está cheio de falhas ou borrões.

Jornal de Brasília - 7/8/2024

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