Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Em 29.3.1890, o chefe do Governo “Provisório”, Marechal Deodoro, publicou o Decreto 295, que remetia a um anterior, o 85A, de 23.12.1889, e que previa “penas militares de sedição” àqueles que “dessem origem ou concorrerem pela imprensa, por telegrama e por qualquer outro modo para pôr em circulação falsas notícias e boatos alarmantes” contra a República.
Ambos os decretos foram revogados por um terceiro, o 1.069, de 22.11.1890, porque teriam desaparecido “os perigos que era dever de honra do Governo conjurar, a fim de se organizar a República em perfeita paz”. Os mesmos perigos voltaram a atormentar, com roupas modernas. Telegrama não se usa mais, se é que ainda existe, e a referência atual a falsas notícias é no idioma inglês, “fake news”.
O 85A afirmava que o governo tem dado “todas as arras possíveis de fidelidade aos seus compromissos para com o país”, e este, por sua vez, “não cessa de retribuir-lho em demonstrações de mais sólida confiança”. A última parte era, ela própria, pura “fake news”. Analistas não perceberam então e historiadores não sustentam que a República – ou a “revolução”, como o 85A preferiu – tenha sido fruto da vontade popular, em vez de vingança da elite agrária contra a abolição da escravatura pela monarquia, no ano anterior.
Já as promessas de manutenção da paz perfeita, pelo silêncio forçado de quem se arrisca a se manifestar, é um problema ainda pior porque o governo nunca foi o dono da verdade, em nenhum sentido. Nem a Justiça. Quando esta bate o martelo e decide um litígio, o que faz é cingir um juízo de plausibilidade e resgatar o “non liquet” das areias movediças do acho-que-sim, acho-que-não.
Resultado: em 3.11.1891, Deodoro fechou o Congresso, instaurou estado de sítio, prendeu oposicionistas e censurou a imprensa. Isso durou 20 dias. Ele renunciou e o vice assumiu. A coisa só piorou.
Jornal de Brasília - 21/8/2024
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