Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Em uma definição tautológica, porém inspiradora, ”poder” é a capacidade de se realizar alguma coisa. Por exemplo, eu não posso voar porque não tenho asas e a anatomia do meu organismo não foi construída para tal função. Mas posso fazer tudo o que estiver a meu alcance, como andar, correr, nadar.
Acontece que poder não se resume a movimentos naturais e se aplica ao plano da cultura, aos vínculos mais ou menos complexos que as pessoas tecem quando se relacionam. Talvez eu consiga comer em um restaurante mais chique em uma ou outra ocasião especial, mas não todas as semanas, muito menos todos os dias, as minhas finanças rapidamente não suportariam. Aqui, o meu poder se contrasta com o poder que outros exercem sobre mim ao mesmo tempo – no caso, a legitimidade do garçom de exigir o pagamento da conta da refeição. Juridicamente, o que há em um restaurante é um sinalagma, ou seja, um acordo de obrigações recíprocas (do ut des).
Quando se acrescenta o predicado “político”, a ideia de poder se sofistica para as coisas que outras pessoas fazem a partir do que eu quero, do que eu gosto, do que eu não gosto. De alguma maneira, eu mando nelas. E elas me são desconhecidas, muitas eu nem sei o quanto existem, elas não pertencem a meu círculo familiar (a autoridade que o pai exerce sobre o filho é de outro naipe, porquanto está idealmente modelada por uma tensão amorosa ou carinhosa) ou semi-familiar (é o caso do professor que, também idealmente, dirige o aluno com o escopo de que este absorva a matéria e se desenvolva intelectualmente).
As conexões do poder político nunca perdem totalmente a raiz pseudo-sentimental de que o comandado deve obediência não porque isso é delicioso para mim, mas porque se trata de um dar que É receber - nem que seja forjado um discurso postiço, senão mesquinho e mentiroso. Quem tiver ouvidos, que ouça.
Jornal de Brasília - 28/8/2024
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