Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
O Conservatório Dramático foi a entidade responsável por avaliar as peças teatrais no Império brasileiro. Suas decisões eram de cumprimento obrigatório e o termo utilizado no Decreto de 1845 nem tentava disfarçar: era “censura” mesmo. O que se apurava era se as obras “pecavam” contra os seguintes pontos: (1) “a nossa Santa Religião”, (2) “o respeito devido aos Poderes Políticos da Nação e as Autoridades constituídas” e (3) “a guarda da moral e decência pública”, com atenção redobrada se a família real estivesse presente.
Se o atentado fosse contra “a castidade da língua”, era o caso de se “notar os defeitos, mas não negar a licença”, e assim o Conservatório era também investido da missão de guardião do vernáculo.
A Polícia tinha autoridade para censurar peças já aprovadas pelo Conservatório. Isso aconteceu pouco, mas aconteceu, não sei se em plena apresentação, o que teria ocorrido na base da sangria desatada, por ordem dada por algum poderoso muito incomodado, e que tinha que ser acatada no imediato mais absoluto. Também não sei se houve multas estratosféricas.
Pelo artigo 7o, “o nome dos censores [sic] ficará em lembrança no protocolo do secretário, mas guardar-se-á segredo, não sendo lícito publicá-lo jamais”. Isso significa que um censor sigiloso poderia usar a criatividade e proibir a encenação que viesse agravar “o devido respeito às autoridades constituídas”, e a ofensa à honra pessoal era sinônimo de ofensa ao próprio ente público, no melhor estilo “o Estado sou eu”.
Acontece que esse estilo estava ultrapassado. A discussão na época da independência era se o país seria uma monarquia constitucional ou absolutista, e a Constituição de 1824, embora outorgada, adotou o primeiro regime (art. 3). Pero no mucho: “a Pessoa do Imperador é inviolável, e Sagrada: ele não está sujeito a responsabilidade alguma” (art. 99).
Jornal de Brasília - 11/9/2024
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