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Raoni Maciel
Promotor de justiça do MPDFT

Durante minha infância, as festas de família eram invariavelmente interrompidas de forma abrupta: “Vou fazer um acróstico”. O contemplado com o acróstico variava, o autor não. 

Bodó é meu padrinho. Em alguns momentos da minha vida, isso foi muito importante para mim. Momentos distintos, em que ser meu padrinho de alguma forma lhe autorizou a achegar-se para me dizer coisas que eu precisava ouvir. Essas coisas ficarão entre a gente.

Mas o Bodó é essa presença constante nas festas da família. Em momentos aleatórios, ou não - não saberia dizer - ele surge com uma hipótese de discurso, um tema filosófico a ser discutido ou a minha preferida dentre todas: o acróstico em homenagem a alguém. Talvez não fosse em toda festa, mas, na minha memória de criança, certamente era o ponto alto de toda festa. Embora algumas (muitas) vezes esse não fosse o sentimento geral. 

Eu costumava brincar com a verdade de que, por ser meu padrinho, eu havia herdado algumas características dele. O Bodó, nessa família um tanto sisuda e talvez séria demais, lembra que a vida deve ter alguma leveza. Há um grande desprendimento na forma como ele, de forma jocosa, invoca um discurso que parece sem sentido, grandiloquente, numa solenidade fora de lugar. Faz de si, gratuitamente, uma figura burlesca. Diz palavras que eu jurava inventadas. Não são, depois descobri. Ainda hoje eu uso algumas para ofender pessoas sem ser imediatamente compreendido.

O Bodó de que posso falar, o meu padrinho, me ensinou, nesses encontros e desencontros da vida, que é preciso, ao menos de quando em vez, não se preocupar tanto. É preciso se divertir e, para isso, convém não se levar tão a sério. 

Não, Bodó, hoje não foi dia de acróstico. Mas que o Bom Deus nos conforte por sua ausência, e que sua memória viva para sempre em todos nós.

Em memória de Olney Oliveira Muniz, 5/11/1939 - 12/9/2024

Jornal de Brasília - 18/9/2024

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