Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
No encontro das famílias criminosas, não apenas de Nova Iorque – “capos” de várias outras cidades se fizeram presentes, sendo que Las Vegas e Miami eram consideradas enclaves neutros, e Chicago era a ovelha negra do mundo subterrâneo --, Don Vito Corleone fez discurso épico em que propôs a paz. Sustentou que “nós devemos sempre olhar para os nossos interesses. Nós todos somos homens que se recusaram a fazer papel de bobo, de fantoches dançando por cordas puxadas por poderosos”.
Essa declaração marca um estilo de vida, de autonomia, de princípios, de possibilidades, mas também de profundas contradições, pois, ainda em suas palavras, “nenhum de nós quer que nossos filhos sigam nossos passos, é uma vida muito difícil”. Então se agitam posições vistas pela sociedade como respeitáveis.
O Don queria que seu caçula, Michael, abraçasse a política ou a advocacia, e chorou quando soube que foi ele, até então um estranho no ninho dos Corleone, quem se vingou da tentativa de seu assassinato. O próprio Michael, quando jovem, foi fuzileiro naval e planejava ser professor de matemática e, quando velho e cansado de guerra, mas sem ter como se aposentar, desejava que o único filho fosse advogado – e que trabalhasse para a família, não que montasse um escritório especializado em despejos ou reclamações trabalhistas --, e Tony preferiu ser cantor de ópera.
Vito perguntou na reunião: “quem diz que devemos obedecer a leis feitas por eles para os próprios interesses deles e que conflitam com os nossos?”. Ora, essa indagação tem uma dimensão bem mais abrangente do que negócios e competências de gângsters, pois é um capítulo particular da filosofia e da história do direito. No fim das contas, que diferença faz quem é que põe uma pistola na sua cabeça? Que diferença faz se McCluskey é um policial “sujo” ou se Pat Geary é um senador “corrupto”?
Jornal de Brasília - 25/9/2024
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