Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
O principal objetivo da proposta de paz de Don Corleone às famílias mafiosas era recuperar seu filho Michael, que havia cometido duplo assassinato e estava escondido na Itália, aguardando as coisas se acalmarem. Como uma das vítimas era um traficante associado a uma das famílias, e a outra vítima era um policial associado a esse traficante, a preocupação com a volta precoce de Michael aos EUA era a retaliação de delinquentes que poderiam ter contas para acertar, ou então com a Justiça, em investigações convencionais e processos judiciais – com a cadeira elétrica tinindo à espreita.
Corleone tentou se entender com seus pares para evitar vinganças, o que fez de maneira eficiente, com lordezas e juras de honra. Quanto à lei, o que o incomodava não eram tanto provas reais, como testemunhas, que facilmente poderiam dar depoimentos que não comprometessem ou não dar testemunho algum, e sim com algo fora de seu controle: provas falsas armadas contra Michael. Na mentalidade siciliana, polícia era uma coisa tão odiosa que chamar alguém de policial era “o pior insulto que alguém poderia assacar” contra outrem, nas palavras de Mario Puzo.
Então vejam: são dois poderes vigentes, o oficial (processos, promotores, jurisprudência, direito de defesa, cadeias, cadeiras etc.) e o subterrâneo (bandidos, traições, alianças oportunistas e frágeis, que acabam em emboscadas, torturas, explosões de carros etc.), que às vezes estão paralelos, outras vezes se encontram, e outras vezes mais se enroscam, de modo difícil de desenganchar. Um é pouco arriscado mas pouco eficiente, o outro é uma alternativa exatamente oposta. O filme de Coppola começa com Bonasera fazendo o que chamo de “transliteração jurídica”.
Don Vito não confiava em nada, a não ser na única força produtora de misericórdia e lealdade: a família. Todo o resto ele via como uma ameaça.
Jornal de Brasília - 9/10/2024
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