Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
O filme O Iluminado é amplamente considerado como clássico do gênero terror. Jack, o personagem principal, transfere-se com a família para o Overlook, hotel de luxo que fica inacessível durante o inverno, quando neva demais na região. O hotel não recebe hóspedes, mas precisa de alguém para manutenção. Jack se habilita e consegue a ocupação, porém perde a sanidade mental e, na verdade – esta é a interpretação mais convencional, dada pelo próprio diretor, Kubrick --, está preso em um ciclo de reencarnações malignas, pois o lugar fica infestado de fantasmas quando fecha as portas.
Mas vamos dar um giro nessa perspectiva.
Temos o hábito de compreender o casamento como um evento natural, previsível, até óbvio na vida particular, tanto de homens quanto de mulheres. Em determinado período da fase adulta, com alguma maturidade e condição financeira, a expectativa é a de encontrar “a pessoa certa”, juntar os trapos, de preferência com igreja, papel passado, festa e fotos. E que os filhos venham – antigamente, muitos, hoje, um ou dois no máximo. Pensamos mais em termos de “quando” do que de “se” casar e muitos se sentem pressionados ou frustrados quando isso não acontece, por qualquer motivo.
Aqui está o problema: o matrimônio é uma vocação. Nem todos tem essa vocação e, pior, nem todos os casados a têm, o que descobrem já na constância da sociedade conjugal, ou não descobrem jamais. Jack era assim. Claramente achava a esposa, Wendy, uma paspalha, uma cretina, e com ela não tinha a menor paciência. Não se preocupava em dar ao filho pequeno um bem precioso e insubstituível: tempo. Não destacava momentos do seu dia para educá-lo ou brincar. Como o Overlook, Jack também estava indisponível. Egoísta e preguiçoso, ele quer escrever e os outros que não perturbem. E ai de quem não o apontar como maridinho exemplar e paizão incomparável.
Jornal de Brasília - 30/10/2024
Os textos disponibilizados neste espaço são autorais e foram publicados em jornais e revistas. Eles são a livre manifestação de pensamento de seus autores e não refletem, necessariamente, o posicionamento da instituição.