Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Em sessão recente no Supremo, o ministro Barroso relembrou um causo envolvendo o respeitado jurista Geraldo Ataliba. Este fazia uma conferência sobre o tema mais fascinante da galáxia: a eficácia das normas jurídicas. Enquanto palestrava, pitava à farta em um auditório que continha placas proibindo o fumo. Um ouvinte questionou sobre possível incoerência e o professor retrucou, afirmando que uma placa estava atrás de sua cadeira e não se aplicava a ele, pois não sabia ler de costas. Outro aviso fora colocado no auditório, e assim desautorizava a plateia, não o palestrante.
As pessoas presentes no STF deram risada, acharam o episódio saboroso, delicioso. Mas, perdoem-me a sinceridade, se aconteceu exatamente dessa maneira, isso é uma tolice que beira a estupidez, uma amostra de como os juristas se valem de argumentos especiosos para alcançarem seus objetivos, nem sempre lá muito nobres.
É verdade que os tempos eram outros. Ataliba faleceu em 1995. Vamos supor que o evento tenha ocorrido em algum momento entre as décadas de 1980 e 1990, quando se fumava muito mais livremente, inclusive em ambientes fechados, como restaurantes, boates, até aviões. As últimas fileiras das aeronaves eram destinadas aos baforadores, mas a separação era imaginária e se empesteava tudo. Não creio que alguém sinta saudade dessa época.
Algo mudou entre 1990 e 2024: o valor, ou seja, a maneira como as pessoas tragam o assunto. A tolerância, o normal e até o chique se se cigarrar – se quiserem complicar, vamos acender também charutos e cachimbos para vocês verem o que é bom para tosse – hoje levaria alguns talvez até a gritar. O valor, também chamado de “espírito”, é o que vai apurar o trato legal da matéria, mesmo que nem uma única vírgula da norma tenha virado cinza. Imagino que os presentes tenham rido mais alto com Ataliba do que com Barroso.