Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Conheci o livro “São Bernardo”, de Graciliano Ramos, aos 11 ou 12 anos, e odiei. Meu colégio exigia a leitura de Machado, Érico, Amado, Barreto e outros grandes das letras brasileiras. Isso é excelente, mas não pode ser feito de qualquer maneira. Não é boa estratégia mandar ler a obra x ou y e dizer que a prova é no dia z. Não é assim que se desperta a paixão dos jovens pela matéria. Ao contrário. Literatura se torna motivo de uma obrigação medonha, o que vale para as demais disciplinas, matemática, biologia, geografia etc. A trajetória estudantil como um todo se transforma em uma tautologia vazia, em que passar de ano é um fim em si mesmo.
Se os alunos não tiverem a perfeita compreensão de que estudar é algo que os enriquecerá como seres humanos, e que isso pode se desenvolver de modo, em parte, prazeroso – nesse caso, a escola fracassou em sua missão número um. Ou melhor, número zero. O verdadeiro desafio pedagógico é fazer com que os ruins aprendam um pouco, os médios se tornem bons, os bons sejam ótimos e os gênios descubram seu potencial.
Porém, o que todos os gradientes desejam é ir embora logo, com um diploma frívolo debaixo do braço ou mesmo antes disso. Se um garoto de 12 anos dissesse que devorou São Bernardo, seria visto como um louco ou um pelego, o próprio professor o olharia com desconfiança.
Reli o romance mais de 40 anos depois, por conta própria, sem motivações de ordem prática como tirar nota e fugir da recuperação. Eis que me deparei com as razões pelas quais Paulo Honório escolheu Madalena para esposa: “é sisuda, econômica, sabe onde tem as ventas e pode dar uma boa mãe de família”. Em “O alienista”, Simão Bacamarte elegeu Evarista porque, embora “mal composta de feições”, “digeria com facilidade, dormia regularmente, tinha bom pulso, e excelente vista”. Si jeunesse savait, si vieillesse pouvait.
Jornal de Brasília - 13/11/2024
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