Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Paulo Honório, do romance “S. Bernardo”, de Graciliano Ramos, tinha uns 40 e poucos anos e pediu a mão de Madalena, de 20 e tantos. O enlace foi fruto de uma conveniência burguesa sinalagmática (herdeiros, estabilidade etc.), não de borbulhas apaixonadas. Mas, após uns 2 anos, ele começou a sofrer de ciúmes. Passou a acalentar um sentimento corrosivo que foi a causa da morte dela. Madalena era inocente – ou honesta, como se dizia antigamente --, e não aguentou mais ficar negando o que não existia. A versão desdemônica é contada pelo próprio Honório, depois do suicídio dela.
Bentinho Santiago, o Dom Casmurro, também resgata sua história com a mulher, Capitu. Mas ele a considerava culpada. Seu relato é uma tentativa de ler corretamente os indícios do caráter de Capitu que, desde a criança coquete e dissimulada que era, poderia derivar para o leito de traição com o melhor amigo do marido; e não deu outra.
Na perspectiva histórica, a essência do matrimônio é a intenção de que o casal seja visto pelos outros como tal, a título particular e com uma fitinha e um selo jurídicos. Por dentro, o desejo de exclusividade é estimulado por uma estratégia sexual temperada pelo ingrediente do ciúme, ou seja, pelo enraizamento do vínculo em um sentido subjetivo, não apenas temporal. Se isso for mal administrado, o efeito previsível são brigas, acusações (fundadas ou não), agressões e até mortes -- ou ao menos mais pitadas de veneno como uma tática eficiente de domínio. Ou como manifestação mórbida de alguém que gosta de problemas e os arruma mesmo quando só há soluções diante de si.
Casamento é uma espécie de espasmo, de rejeição do clássico uso de mulheres diferentes para fins diferentes, como dizia Karl Jaspers. Essa fórmula tem algo de artificial, é claro, de sacrifício. Repare bem se Florentino Ariza sempre ou nunca amou Fermina Daza.
Jornal de Brasília - 27/11/2024
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