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Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT

O filme O grande ditador, de Charles Chaplin, é uma sátira deslavada de Hitler. O protagonista, Hynkel, usa bigodinho e trajes militares, vocifera, gesticula histrionicamente – por aí vai. Mete-se em uma confusão shakespeariana ao ser confundido com um sósia, um barbeiro judeu que não está entendendo que foi confinado em um gueto, mas que um dia perde a inocência.

Não pense que o filme foi lá um grande ato de resistência. Pelos idos de 1940, Hollywood já estava liberada para esculhambar o Fürher, o que não acontecia antes por razões estritamente financeiras. A Alemanha era o segundo maior mercado consumidor de seus produtos cinematográficos e o cônsul em Los Angeles, Georg Gyssling, tinha poder de vetar roteiros e até produções em andamento, o que contava com a conivência dos estúdios, de maciça propriedade ou direção de judeus.

Em uma cena, Hynkel/Hitler está buscando uma palavra para insultar alguém. Então escolhe o termo “democrata”, na expectativa óbvia de que isso machucaria seu alvo. Observem que democracia e censura não combinam bem. Na verdade, são opostos: esta consiste em impedir o que você não quer ouvir. Aquela é a paciência com vozes discordantes que se manifestam, mesmo que de mau grado, ou seja, ainda que você não concorde, não goste ou se sinta perturbado. Não importa. A política é o território da coexistência dos inimigos e dos estranhos, para além da mera divergência, o que pode atingir e atinge famílias, amigos e até indivíduos que dormem na mesma cama.

Sabe-se que Hitler assistiu ao flick. Não se sabe o que achou. Dizem que riu de umas partes, mas o proibiu e Chaplin entrou na lista negra – isto é, na censura – do governo e foi retratado em um vídeo de propaganda como judeu, o que não era. A vida pode imitar a arte. A censura imita-se a si, empilhando camadas de intolerância e cobertura de mentiras.

Jornal de Brasília - 4/12/2024

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