Ivaldo Lemos Junior
Procurador de Justiça do MPDFT
Vamos supor que fosse aprovada uma lei proibindo que se andasse descalço na rua. Como em “Isaías Caminha”, de Lima Barreto, seria obrigatório o uso de algum tipo de pisante, sob pena de punição, multa, retenção, quem sabe até cadeia.
As reclamações viriam de imediato e com fúria. Inconformados diriam que isso agride a liberdade individual; só pode ser lobby do segmento calçadista; quem fiscalizará, se já não há agentes públicos suficientes para controlar construções irregulares e barulho de bares? E os maltrapilhos? Não seria uma covardia castigar quem não tem o que pôr nos pés?
Pessoas de boa vontade, ou os ingênuos, esses acolheriam a lei como uma iniciativa meritória sim. Dialogariam com seu “espírito”, isto é, o valor que pretende proteger -- a integridade física, o conforto solar –, como esforço de evitar que se tope em pedras, cacos de vidro ou qualquer coisa que possa machucar os pés, sangrá-los, esfolá-los. Isso seria positivo, traria benefícios gerais, hospitais não ficariam sobrecarregados para tratar dessas coisas, o preço do bandeide está os olhos da cara. Juristas palestrariam sobre o novo instituto, com glosas de jornalistas, e congressistas disputariam a paternidade do projeto.
Uma terceira corrente, que acoimaríamos de “eclética”, não daria bola. Alegaria que nada muda pois nunca andou descalça e não pretende começar a fazê-lo. Mas confessaria uma preocupação: a lei poderia abrir um “precedente perigoso” porque prepararia o terreno para leis absurdas, como a vedação de se andar de costas ou coçar o nariz em ambientes abertos. Calma aí! Principiis obsta! O Congresso deve se preocupar com coisas importantes e urgentes, como “a reforma tributária” ou “a reforma previdenciária”, seja lá o que isso queria dizer.
Aliás, sei sim. A primeira é pagar mais imposto e a segunda é dificultar a chance de se aposentar.
Jornal de Brasília - 10/2/2025
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