Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Dez anos atrás, ao escrever um livro D que ajudou em minha própria formação, pois aprendi bastante durante o seu desenvolvimento - estou falando de Cláusula Miranda e os três fantasmas que se divertem no processo penal brasileiro -, descobri algo que até hoje me inspira.
O crime de Ernesto Miranda, que ensejou a obrigação de todos os policiais dos EUA avisarem que o preso pode optar pelo silêncio, consultar advogado etc. , foi cometido em 1963, passou por primeira e segunda instâncias e chegou ao Supremo em 1966. A Corte aceitou apreciar o recurso, que alegava violação às 5º e 6º emendas à Constituição Federal.
A Suprema Corte de lá assumidamente escolhe os recursos que quer ou, dito de maneira mais elegante, apura os casos que considera mais relevantes para o futuro do direito do país e, portanto, são mais merecedores de sua atenção. Não há fundamentação nesse juízo discricionário, seja para não conhecer, o que é a imensa maioria dos casos, seja para conhecer. A triagem é feita a portas fechadas, entre o fim da judicatura de um ano e a do início do ano seguinte, e basta que quatro dos nove ministros concordem: é a chamada Regra dos Quatro (“Rule of Four”), que não está prevista em lei e é usada somente pela força do costume. Nunca se sabe como os ministros votam, essas coisas não vazam.
Se admitir o recurso, o “writ of certioari” (“cert”), o Tribunal intima as partes, abre edital para a habilitação de “amicus curiae” e marca data. E aqui vem o detalhe: a sessão tem caráter instrutório. Procuradores e advogados vão se preparar a fundo para falar diante dos juízes. Esses vão fazer perguntas, sobretudo sobre fatos ou tecnicalidades do direito local. Ao final do procedimento, que pode durar dias, o recurso não é julgado. Isso será feito também a portas fechadas e o presidente nomeará um relator - pois não há relator prévio - dentre algum magistrado cujo voto tiver sido mais decisivo, ou ele próprio o relatará. É designada data para proclamação do resultado.
Nessa dinâmica, as sustentações são fundamentais, pois ajudam os julgadores a tomar decisões mais bem fundamentadas. Agora vamos comparar com os recursos pautados aqui. Meu foco será o TJDFT, onde atuo, mas acredito que valha para todos os tribunais do país, inclusive, os superiores.
Na época dos processos físicos, o relator, o revisor e muito menos o vogal desconheciam a posição um do outro. Havia o fator surpresa geral. A sustentação oral também tinha importância porque o recurso talvez estivesse longe de sua definição, até mesmo o relator poderia mudar seu voto.
Quanta diferença do que ocorre hoje, com processo eletrônico. Não há mais surpresa. Quando entra em pauta, o relatório e o voto já foram divididos tanto com o revisor quanto com o vogal. Esses também já votaram, quase sempre em concordância; os votos divergentes atualmente são raros. Acaso o advogado se faça presente à sessão, pode exercer uma prerrogativa de seu múnus, que é a sustentação.
Mas repita-se: a sustentação ocorre sem sentido instrutório e com os votos dos integrantes do colegiado já compartilhados. Quando ao advogado é concedida a palavra e o relator votara de acordo com seus interesses processuais, isso é comunicado preliminarmente e indagado se ainda pretende se manifestar, o que o Causídico dispensa, com nítido alívio. Então, os que efetivamente sustentam são aqueles que - não é exagerado dizer -, já perderam, o que vai ser avisado ao final: os desembargadores costumam lançar elogios cordiais, realçando o brilhantismo do trabalho, mas mantendo os votos que já foram lançados, e o resultado é então anunciado. Perda de tempo? Bem, até agora não vi nada diferente disso. Não vi ninguém mudando voto em virtude do excelso poder de convencimento do Paracleto na tribuna, e mesmo minguados pedidos de vista mais funcionam como uma deferência excepcional.
Uma última informação: sabe como se chama “voto” de ministro do Supremo americano? “Opinion”. Isso mesmo, opinião. E ministro lá se chama “Justice' Isso mesmo, Justiça.
Correio Braziliense - 10/4/2025
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