Ivaldo Lemos Junior
Procurador de justiça do MPDFT
Desde a época da faculdade, no final dos anos 1980, escuto falar em reforma da seleção dos ministros do Supremo. E olha que o STF era então uma instituição discreta, quase enigmática. Seus membros não eram conhecidos do grande público, podiam circular à vontade pela rua e não eram identificados e muito menos hostilizados, como acontece nos dias de hoje.
As sugestões mais recorrentes são: listas para afunilar a escolha do nome; investiduras temporárias; concurso público; somente magistrados de carreira. Todas têm o mérito de apontar para o sintoma, mas nenhuma garante gerar mais benefícios do que desvantagens, especialmente a proposta de se ter apenas togados. Isso deporia contra a própria história da Corte: vários de seus integrantes mais ilustrados, como Moreira Alves e Francisco Rezek, não tinham essa formação e trouxeram outras bagagens que muito enriqueceram os quadros do Tribunal.
Fato é que o procedimento vigente é o melhor. Tem o mérito da simplicidade: indicação do Presidente da República e aprovação pelo Senado Federal, à luz de 3 requisitos: idade (entre 35/65 anos), reputação ilibada e notável saber jurídico. Essas são as únicas exigências que realmente importam. O que poderia melhorar, aí sim, é a maneira como são conferidas.
Comecemos pelo notável saber jurídico. É evidente que só quem o tem pode dizer se outro também o tem. Um jurista não saberia afiançar a qualidade intelectual e profissional de um engenheiro, um agrônomo ou um veterinário. E vice-versa. Somente os que atuam nas respectivas áreas conseguiriam fazê-lo, a não ser que se deixe levar pelos influxos elusivos da fama. Sujeito pode ser famoso sem ser bom, ou tão bom quanto parece, e tantos anônimos são ótimos ou excelentes. A Constituição sabe disso e faz distinção entre “notável” e “notório” saber jurídico. Ambos os predicados estão previstos para situações análogas, composição de Tribunais, mas são bem distintos em termos conceituais.
Portanto, é de todo necessário, imprescindível até, que uma comissão de notáveis se encarregue de apurar os conhecimentos do supremável. Isso seria feito com os instrumentos de praxe, como conquistas acadêmicas, publicações, aprovações em concurso, experiência docente, cargos etc., e também por uma sabatina pública, ou melhor, uma série de sabatinas, quantas fossem necessárias. Se lançou livros, a comissão os leria (se não lançou, por que não?). Eventuais reprovações em certames também precisariam ser esmiuçadas. Que notas tirou? Quanto tempo atrás? O que estudou de lá para cá?
O desafio seria a formação da comissão. Os componentes deveriam ser pessoas maduras, indiscutíveis, arejadas e de índole doutrinária. O perfil ideal é o de alguém como Ives Gandra Martins ou Inocêncio Mártires Coelho.
Na sabatina, o candidato não responderia às perguntas usuais feitas por Senadores, que só servem para testar sua paciência, e sim indagações de natureza técnica, científica, filosófica e da história do direito, com rigor e profundidade, a descortinar sem açodamento o conteúdo do postulante; quem não quiser passar vexame que não se arrisque. Os anais das arguições seriam estudados nas faculdades e muitos tornar-se-iam clássicos.
Quanto à idoneidade, deveriam ser designados investigadores para peneirar a vida do candidato, como uma espécie de “advogado do diabo” dos antigos processos de canonização, mas sem exageros, não se espera que um juiz seja um santo. Os inconvenientes viriam à tona e, se ele preferisse que continuassem no escondido – uma maconha na juventude, uma maria da penha mal explicada -, que pulasse do barco enquanto fosse tempo.
O martelo final continuaria na mão do Senado – ou da Câmara, ou ambos, do povo enfim -, após o crivo da Comissão de Notáveis e dos Advogados do Diabo, que dariam uma de três menções possíveis: altamente recomendado, recomendado ou não recomendado.
Por fim, a idade. Essa é fácil, basta exibir o documento. Talvez 35 seja pouco, poderia aumentar para 45/50. Mas aí Moreira e Rezek teriam ficado de fora.
Correio Braziliense - 15/5/2025
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