Luciana Asper Y Valdés
Promotora de justiça do MPDFT
O extraordinário mesmo é quando os ipês floridos não só encantam os olhos, mas moldam nossos corações. Sim, a biologia deles pode nos ensinar mais sobre nossa identidade do que anos de terapia
Volta às aulas.
A beleza de um ipê florido, por si só, é algo que nos impacta a ponto de pararmos diante dele atônitos. Mas extraordinário mesmo é quando eles não só encantam os olhos, mas moldam nossos corações. Sim, a biologia deles pode nos ensinar mais sobre nossa identidade do que anos de terapia.
Em condições normais de "temperatura e pressão", os ipês lá estão, quase imperceptíveis, com suas folhas, no meio a tantas outras plantas, fazendo o quê? Se ocupando de algo relevante e generoso: transformar o CO2 tóxico em O2 puro, precioso e essencial para as nossas vidas. Uma entrega discreta, constante, perene e silenciosa sem a qual, porém, não haveria vida na Terra. "Ressignifica o tóxico" para generosamente distribuir "o que é puro". Guarda sua integridade e permanece fazendo o que foi feito para fazer. Não são críticas, nem elogios, não é a indiferença, nem troféus, não são vaias, nem aplausos que mudarão sua essência ou afetarão seu propósito.
E eu e você? O que fazemos com o que "fazem conosco"? Como estamos "processando" as oscilações do que recebemos ou deixamos de receber? Como as circunstâncias, o que está fora, o que está no outro e é do outro nos corrompe e nos impede de jorrar o que fomos feitos para generosamente entregar? Como nos "deixamos quebrar", invadir e impedir que os nossos tesouros façam o que foram feitos para fazer: impactar vidas, deixar legados? O fato é que não apenas rompemos o nosso "core", corrompemos o nosso coração e essência quando geramos algum tipo de dano/prejuízo a outro ser humano, mas também quando simplesmente deixamos de manejar os nossos dons, talentos, competências, habilidades e recursos para mudar histórias, socorrer vidas e gerar bem-estar. O que deixamos quando saímos de um lugar? Que marcas?
Nosso ipê professor tem, ainda, outra lição, um pouco mais drástica a passar. Quando chega o tempo da escassez, das dores, da sequidão, da terra árida, endurecida, da pouca água e do frio? Como ele se comporta? Dizem que devemos nos perguntar o que sai de dentro de nós quando somos espremidos? O ipê revela que é justamente nessa hora que brota dele o mais belo, o mais extraordinário. É quando a poeira sobe, não há água e a temperatura cai, que ele floresce! E floresce de uma forma extravagante. Que resposta, reação, atitude, postura mais inesperada. E, então aqui, ele chama toda nossa atenção. Nos voltamos atentamente para ele e nos perguntamos: como é possível, nesse contexto tão contrário, escasso, sofrido, nos entregar tamanho espetáculo de beleza e esplendor? Ele sobressai, destoa de todo resto.
E quanto a nós? Temos destoado do resto? Temos sido bálsamo, luz, esperança, alívio e aconchego quando as ofensas, as pressões, as decepções, as frustrações, as injustiças, a maldade e a escassez de toda sorte batem à porta? Ou nos misturamos com a sequidão à nossa volta igualzinho um camaleão "vestido" em seus trajes de camuflagem?
O mais interessante de florescer na terra árida é que o ipê faz isso justamente para garantir a reprodução da sua espécie. O estresse hídrico e térmico indica que a sua vida está ameaçada, vai morrer. Sua "decisão"? Liberar, renunciar todas as suas folhas a fim de não gastar energia com elas e, então, concentra todos os seus recursos para produzir as flores que irão perpetuar os ipês. Essas flores cheias de pólen e néctar atraem os insetos e pássaros polinizadores e, sem as folhas "no caminho", o próprio vento se junta nessa missão de dispersar suas sementes.
Sim, o ipê professor não vai correr o risco de partir sem antes garantir que o seu legado continue. Continuará produzindo oxigênio, florescendo, nos provendo e impactando, ainda que seja por meio de "futuras gerações" de ipês. A lição? Reconhecer a prioridade dentro do importante e cumprir o seu propósito em cada estação da vida. Servir os outros e as futuras gerações vai nos exigir que saibamos guardar nossa integridade. Permanecer. Não podemos ir sem antes fazer de tudo para deixar a nossa contribuição. E sabemos quando vamos? Não, ninguém sabe, por isso é melhor cuidar para que todos os dias possamos dormir vazios.
Há mais para entregarmos. É preciso agarrar as oportunidades que revelam que dar é melhor que receber, que ser generoso é melhor que ser egoísta, que é possível ser gentil mesmo com quem é grosseiro, que vitorioso é ser honesto e justo no meio a toda forma de engano, que a excelência faz muito mais sentido que a pressa. Ser manso, quando todos estão ansiosos e agressivos. Que feliz é ser benigno e bondoso, e não ser manchado com as ofensas dos outros. E forte e corajoso é quem pode olhar para trás e saber que venceu o medo e combateu o bom combate gerindo, com excelência, suas competências e habilidades, inteligências e sensibilidades, forças de caráter na missão de servir e de jorrar vida, esperança, generosidade e amor aos necessitados, os de perto e os de longe.
Correio Braziliense - 18/8/2025
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