Hiza Carpina
Promotora de justiça do MPDFT
Marcelo Barenco
Promotor de justiça do MPDFT
UPAs superlotadas, unidades básicas com equipes incompletas, óbitos evitáveis ocorrendo por falta de atendimento tempestivo, dor e sofrimento, nervos à flor da pele: um cenário perfeito para os lamentáveis casos de violência vistos recentemente. A crise na saúde pública do Distrito Federal não é um problema recente. Tem um longo histórico de disfunção estrutural, causada não apenas por ineficiência das gestões, mas por limitações orçamentárias, falta de investimento, processos de trabalho obsoletos, carência de profissionais, alto índice de absenteísmo, ausência de transparência da capacidade instalada e produtividade, desperdício e corrupção.
O SUS é um patrimônio nacional. Veio para substituir o extinto Inamps, um sistema de saúde desigual e seletivo, que beneficiava apenas aos trabalhadores com carteira assinada e seus dependentes. Aqueles que não contribuíam para a Previdência Social tinham que recorrer às instituições filantrópicas, as famosas santas casas. Ao contrário, o SUS propõe a busca pelo bem-estar de toda a população e a garantia do direito à saúde de forma integral, universal e gratuita a todos os cidadãos.
A rede pública de saúde do Distrito Federal atende cerca de 2, 8 milhões de pessoas, das quais 67, 5% dependem exclusivamente do SUS. A explosão demográfica nas últimas décadas não foi acompanhada pelo aumento proporcional de investimento. O sistema de escassez força a escolha sobre quem atender ou não, e a equação não fecha: as filas de consultas, exames e cirurgias crescem desproporcionalmente, sem viés de baixa.
A Secretaria de Saúde tem pouco mais de 30 mil servidores. Em um sistema em flagrante esgotamento e com uma cultura institucional degradada pela "falta" tal número não é capaz de dar conta das necessidades crescentes. O absenteísmo, justificado ou não, alcança a impressionante média de 30% da capacidade produtiva, e não se conhecem suas causas. A restrição laboral na saúde, pela própria natureza da atividade, também é alta.
Falta um estudo pormenorizado sobre a capacidade instalada, e o controle da produtividade dos servidores é precário. Prédios onde funcionam as unidades de saúde são da década de 80. Não tiveram, por anos, contratos de manutenção predial que pudessem preservar e garantir o bom funcionamento de suas instalações.
É comum estoques de insumos e medicamentos estarem desabastecidos. Faltam cotidianamente remédios e itens básicos. As causas alegadas são fracassos e deserções nas licitações, falta de matéria-prima ou atrasos nas entregas. De fato, são todas reais. Mas a elas se somam mais “faltas”: ausência de sistema eficiente de controle de medicamentos, processos de trabalho desatualizados, dificuldades físicas no armazenamento de produtos, problemas logísticos no transporte e na distribuição.
Não existe política pública bem planejada e implementada sem dados. Parafraseando Peter Drucker, não é possível gerenciar o que não se conhece. Também não existe gestão qualificada sem análise dos custos empreendidos para a prestação do serviço. E a confiabilidade desses dados está condicionada à existência de sistemas de informação, ferramentas essenciais para coleta, armazenamento, processamento e análise dos dados produzidos.
Rotinas como rastreamento de medicamentos, produtividade dos profissionais e controle de mapas de centros cirúrgicos poderiam ser facilmente monitoradas por um sistema informatizado. O investimento constante em tecnologia da informação, para que se garanta a segurança e fidedignidade dos dados, é fundamental. Disto depende o melhor desempenho da gestão e a correção de falhas existentes.
Mas a realidade que se observa é outra: os sistemas operados são desatualizados e incompatíveis entre si. Esse conjunto de “faltas” tem provocado um crescimento acelerado da judicialização, resultando em bloqueios de recursos financeiros diretamente nas contas do governo e em condenações por danos materiais e morais. O cenário escancara a precariedade de planejamento, investimento, responsividade e responsabilidade na condução de um dos serviços mais essenciais à população.
A saúde pública demanda atenção prioritária e uma gestão eficiente capaz de gerar impacto real no bem-estar da população. Para isso, é preciso quebrar o ciclo de escassez. Sem investimento eficiente, planejamento transparente de ações estruturantes, intervenções estritamente técnicas, autonomia para os gestores e execução estrita dos planos de ação, a saúde pública estará sempre no banco dos réus. Mas a condenada será sempre a população.
Correio Braziliense - 21/8/2025
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