Alessandra Campos Morato
Promotora de Justiça do MPDFT e integrante do Núcleo de Gênero do MPDFT
Ganhador de 7 prêmios Goya, o filme Te doy mis ojos (2003) conta a história de Pilar, vítima de violência doméstica que foge de casa com o filho, mas depois volta porque o marido, que ela ainda ama, consegue convencê-la de que vai mudar. Num dos jogos românticos do casal, Pilar diz: “te dou meu corpo, meu sexo, minha boca, minhas orelhas, meu nariz, meus olhos". Parece uma brincadeira inocente, mas se transforma numa armadilha na qual os dois se veem enredados.
A Lei nº 11.340/2006 (Maria da Penha), um marco na questão de gênero no país, ainda luta por reconhecimento. A violência doméstica ganhou visibilidade, mas o Judiciário está dividido. Uns defendem que a mulher deve autorizar o processo criminal e outros defendem que essa autorização não é necessária. Fala-se em inconstitucionalidade e o STF deve, em breve, dar o veredicto.
A lei prevê uma atenção integral, mas os debates giram sobre seu aspecto criminal, desviando a atenção de todos do descaso na implementação dos serviços de apoio jurídico e psicossocial, geração de renda e inclusão curricular das questões de gênero.
Em Ceilândia, a segunda maior cidade do Distrito Federal, o GDF faz ouvidos moucos para as constantes manifestações da população para implantação dos CAPS e expansão dos CRAS, CREAS e Conselhos Tutelares. O Judiciário local faz mutirões para julgar processos que entram aos borbotões e os juristas discutem se a mulher deve ou não deve ter a palavra final nos casos de lesões leves.
Dou-te os meus olhos, minha boca e meus ouvidos. Diz-me se, ao ter meu corpo marcado, eu tenho condições de decidir se quem me agride será ou não processado criminalmente. Guia-me porque não posso ver, fala por mim porque não posso falar. Enreda-me nessa armadilha em espiral, da qual nenhum de nós sairá ileso.
Jornal de Brasília