A importância dos pais no processo de educação vem sendo cada vez mais compreendida e reafirmada pela sociedade. Por isso é muito oportuno lembrar a um País ainda fortemente marcado pelo adultocentrismo, pelo machismo e pelo patriarcalismo que a tarefa de educar não é responsabilidade exclusiva da mulher. No entanto, a importância do pai não pode ser afirmada mediante acento numa suposta incompetência e falta de autoridade das mães: filhos educados apenas pelas mães mais facilmente cometeriam delitos ou estariam em situação de abandono?! Esse tipo de pensamento, propositalmente ou não, pode levar à falácia de que as mulheres seriam incapazes de, sozinhas, criarem pessoas "sadias" e "socialmente integradas", reproduzindo um preconceito de gênero, ao invés de contribuir para um diálogo construtivo entre os sexos.
É verdade que o pai não pode ser figura apenas decorativa ou dispensável. Mas para justificar a presença de pais no processo educativo o discurso não precisa se fundamentar na incompetência de mulheres para proverem, sozinhas, uma boa formação ao ser humano em desenvolvimento. Do contrário, os homens seriam, então os redentores dos filhos e filhas? Não se pode aceitar qualquer mensagem discriminatória em relação às mulheres que, consciente ou inconscientemente, é bem captada pela maioria e é repetida nas relações cotidianas.
Felizmente, são diversas as leituras possíveis em torno de um mesmo assunto. A propósito, o jornal Folha de São Paulo de 9 de agosto de 2009, publicou matéria sobre o documentário, "Nada sobre meu pai". Faz abordagem relativa à visão das pessoas que têm, na certidão de nascimento, um asterisco no lugar do nome do pai, as chamadas "filhas de asterisco". Registram-se a frustração e o sofrimento dessas pessoas, que se ressentem da ausência do (re)conhecimento. O texto trata do conhecimento e da vivência da paternidade como caminho para a busca da própria identidade, e do direito que todos têm de conhecer a si próprio. Não há como não lembrar de Édipo Rei, e do aviso do Oráculo: "Conhece-te a ti mesmo". Nada mais pertinente!
A reportagem mencionada não relaciona a ausência do pai com o uso de drogas ou o abandono nas ruas. Também não há que se cogitar de incapacidade das mulheres para "escolherem" bons pais para seus filhos. Não se pode aceitar determinismos absurdos, como se as escolhas amorosas e sexuais (boas ou ruins) das pessoas pudessem ser feitas de forma tão racional! É necessário considerar que muitas crianças não são fruto de uma "escolha", de uma decisão consciente de suas mães e de seus pais, mas de um deslize, de um encontro de uma noite, de uma recaída em um relacionamento falido, de uma aventura... Porém, é preciso pontuar que essas "escolhas erradas" não são apenas das mães, mas também dos pais. Aceitar determinismos revela profundo desconhecimento da natureza humana.
O tema também nos convida a refletir sobre o quanto somos adestrados para acreditar que à mãe competiria "amar, limpar, adular e cuidar da criança" e ao pai "corrigir, reprimir e limitar" a criança. Seria isso mesmo? Devemos continuar a reproduzir papéis pobres, aceitar uma semimaternidade, uma semipaternidade, sem questionar a que isso se presta? Por que se conformar com esse amor menor de mãe e de pai, com essa divisão que enfraquece? Por que não se pode ter e ser todo o pacote?
Nesse mesmo sentido, seria possível acreditar em instinto, materno ou paterno? Se houvesse um "instinto" por trás desses papéis sociais (maternidade e paternidade), definitivamente não haveria crianças abandonadas, órfãs de pai e mãe, muitas vezes até mesmo vivenciando uma orfandade a três, com pai e mãe "presentes-ausentes". Pode ser algo extremamente controverso, mas não seria melhor acreditar na capacidade e na vontade de pessoas maduras dispostas a construir, alimentar e manter um vínculo afetivo por toda a vida?
E capacidade e vontade são qualidades pertinentes a pessoas, não a gêneros. Por isso, também, é possível acreditar que mães solteiras, pais solteiros, casais homossexuais, heterossexuais, avós, todos, desde que dispostos a amar e a ensinar a obediência a limites, estejam aptos a educar uma criança. Toda criança precisa ser adotada por seus cuidadores.
Na verdade, apenas o pai e a mãe não são suficientes para suprir as necessidades de afeto de uma criança. Crianças demandam tanto, têm tantas necessidades, todo o tempo, que é preciso uma rede de apoio para prover uma infância saudável - uma grande família, uma boa escola, babás, auxiliares, amiguinhos. Mesmo quem não é mãe ou pai pode testemunhar em quantos estes se desdobram para suprir tudo isso.
Por isso, parece um bocado precipitado responsabilizar apenas a mãe que decide engravidar de alguém que jamais poderá ser um bom pai. O mesmo raciocínio deveria se aplicar à mãe que decide engravidar sem ter condições financeiras para tanto, sem ter uma família que lhe dê suporte por perto. Crucificaríamos, então, a maternidade exercida por direito próprio, condenaríamos a maternidade exercida em condições "anormais" de temperatura e pressão! Aliás, quais seriam mesmo as condições ditas "normais"? Há tanta gente egoísta, imatura e infeliz, porém casada e com boa situação financeira, sem a menor condição de dar à luz um ser humano e que o faz...
É preciso observar melhor o que se diz ou repete. É com reflexão que cada pessoa e a sociedade podem evoluir. Por isso, acredita-se que a Humanidade avança com a Educação. Não apenas a educação formal. Mas, além dela, na Educação que a convivência diária com familiares, amigos, colegas, conhecidos, desconhecidos, proporciona.
Alessandra Campos Morato, Danielle Martins Silva, Marlouve Moreno Sampaio Santos, Oto de Quadros e Ronny Alves de Jesus são Promotores de Justiça.