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Será difícil garantir respeito e dignidade ao idoso enquanto o estado se mantiver inerte na efetivação dos direitos sociais.

Sandra de Oliveira Julião
Promotora de Justiça do MPDFT

Antigamente, nas sociedades tradicionais, os velhos eram muito considerados, por serem sinônimo de lembranças e sabedoria. Atualmente o descaso e o desprezo os excluem da sociedade, que os julgam improdutivos.

No Brasil, envelhecer está relacionado a um processo de decadência física e mental. Trata-se de conceito totalmente equivocado, pois muitos idosos - pessoas com 60 anos ou mais, por ser essa a idade oficializada desde 1994, pela Lei nº 8.842, que estabeleceu a Política Nacional do Idoso - ainda são completamente independentes e produtivos.

Para garantir uma velhice tranquila e digna, é necessário um organismo saudável. E para isso, exercícios físicos, alimentação balanceada, espaço para lazer e bom relacionamento familiar são fundamentais. Ao contrário do que se pensa, os idosos podem e devem manter vida ativa. Além disso devem cuidar de suas carências. A afetividade é a grande alavanca do bem-estar, da felicidade e, consequentemente, da saúde física e mental.

Se tratados com indiferença, a ideia que os idosos fazem de si próprios é de insignificância, o que os faz adotar uma atitude apática diante de sua vida, de seu valor como cidadãos. Se estimulados, desenvolvem sua auto-estima, interpretando a velhice como mais uma fase a ser bem vivida, o que gera comportamento ativo e participativo.

Entretanto, o acesso aos serviços de saúde, educação, moradia e trabalho, por exemplo, não é igual para todos, refletindo a desigualdade nas condições de vida dos idosos que vivem na sociedade brasileira. A velhice apresenta múltiplas faces e não pode ser analisada de forma desvinculada dos aspectos socio-econômicos e culturais, pois suas características extrapolam as evidentes alterações físicas e fisiológicas individuais.

O Estatuto do Idoso transforma em lei o que deveria ser obrigação moral da sociedade. Estabelece que, ao chegar aos 60 anos, todos têm o direito de envelhecer com dignidade, e tanto o Estado, como a sociedade e a família têm obrigação de assegurar aos idosos do país liberdade e respeito, como pessoas humanas e sujeitos de direitos civis, políticos, individuais e sociais garantidos pela Constituição.

Entretanto, o Estado neoliberal tem-se ocupado minimamente da implementação das políticas públicas para dar efetividade aos direitos sociais garantidos na Lei Maior. Em razão do fortalecimento do poder econômico no contexto internacional, evidencia-se a fragilização das instituições do Estado-providência. É preciso, portanto, haver adaptação dos sistemas de prestações sociais às exigências de um mundo globalizado, em constante transformação.

Outrossim, a sociedade contemporânea tem encontrado meios de afastar e negar um modelo de velhice que associa a pessoa à idéia de doença e morte. A busca da mítica fonte da juventude nunca foi tão tenaz como nos nossos dias. É difícil, portanto, ser velho numa sociedade, numa cultura onde as pessoas valem pela aparência e por sua produtividade. O preconceito em relação à idade e a consideração do velho como descartável, incapaz ou atrasado ainda é muito grande.

Além disso, estamos vivenciando uma época de profundas mudanças na família, que, sendo o núcleo basilar da sociedade, se caracteriza por ser um grupo de pessoas que desenvolvem afetos recíprocos a fim de obter soluções para os problemas do ciclo vital. Hoje, a família sofre diretamente as consequências do desemprego, da falta de oportunidade de moradia e, ainda, com o caos instalado no sistema de saúde. Na família, o idoso muitas vezes não é escutado para dar opiniões, escolher o lugar onde quer estar, ou mesmo para dizer qual o programa de televisão a que prefere assistir. A violência é potencializada pelo alcoolismo ou pelo uso de outras drogas, a baixa escolaridade e a dependência do agressor em relação ao idoso.

Nesse contexto, não obstante tantas proteções legais, paradoxalmente, a violência contra idosos tem crescido assustadoramente.

A violência contra idosos se manifesta de forma estrutural, aquela que ocorre pela desigualdade social, provocada pela pobreza e pela miséria; interpessoal, aquela que se refere a interações e relações cotidianas, é a chamada violência doméstica ou familiar; por fim, a institucional, aquela que diz respeito à aplicação ou à omissão na gestão das políticas sociais e pelas instituições de assistência.

As marcas da agressão contra o idoso não são apenas físicas, mas também de ordem psicológica e, às vezes, até moral. A violência parece revelar ao idoso o sentimento de incapacidade em lidar com os filhos, os netos, o(a) companheiro(a) e em enfrentar o mundo que o cerca.

Em muitos casos, a conduta do próprio idoso contribui de forma decisiva para a rejeição dos demais membros do grupo social ao qual pertence.

É importante ressaltar que a sociedade não tem tolerado os casos de violência doméstica, solicitando com frequência a intervenção do Ministério Público.

É certo que a própria Constituição Federal define que a família é a base da sociedade, cumprindo ao Estado protegê-la, "devendo assegurar assistência na pessoa de cada um dos que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de suas relações".(1)

Contudo, alguns analistas consideram que a invasão do Direito na organização da vida social prejudica as relações privadas, e que essa expansão do Direito e de suas instituições é "ameaçadora à cidadania e dissolvente da cultura cívica, à medida que tende a substituir o ideal de democracia por um ordenamento de juristas"(2).

Segundo Werneck Vianna (3), essa judicialização decorre do isolamento do cidadão diante da deserção dos principais atores da vida pública:

numa conjuntura onde estado, partidos, escolas, religiões e família falham na busca de padrões éticos consistentes, a moralidade enxerga refúgio neste direito em tempo real, fazendo de delegados, promotores, juízes e ministros as grandes estrelas do drama nacional.

O que temos observado é que as pessoas estão recorrendo ao Ministério Público por absoluta falta de opções dentro da estrutura do Estado-Administração, que efetivamente não tem convertido os Direitos Sociais previstos constitucionalmente em prestação de serviços eficientes.

Assim, a falta de moradia digna e o desemprego são algumas das razões pelas quais muitos filhos adultos (na maioria das vezes já casados e com seus próprios filhos) ainda residem com seus pais, já idosos, e dependem dos rendimentos destes. E isso é só o início de uma bola de neve que parece não parar de crescer: o desemprego gera baixa autoestima, levando a pessoa ao uso de bebida alcoólica; o alcoolismo gera agressividade, além de desestruturar o orçamento familiar. Pronto, o caos está instalado, e a única instituição que ainda tem credibilidade perante a sociedade para resolver as questões geradas nesse contexto é o Ministério Público.

Entretanto, nem sempre a intervenção do MP é eficaz para pôr fim ao sofrimento da pessoa idosa, pois as primeiras reações dos idosos diante da violência envolvem sentimentos de medo, vergonha e culpa pelo fracasso das relações familiares e, por isso, na maioria das vezes eles negam ou omitem o fato, aceitando a situação como parte natural das relações entre família.

Por isso é importante conhecer os órgãos do Estado e suas responsabilidades para que possamos, todos, cobrá-las, fazendo com que a engrenagem de serviços funcione. Por exemplo: é responsabilidade dos Conselhos promover as articulações necessárias à implementação das políticas públicas. Uma das competências do Conselho Nacional dos Direitos do Idoso - (CNDI) -, é coordenar as ações relativas à Política Nacional do Idoso (4), no âmbito dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios. Por sua vez, a Política Nacional do Idoso preconiza que na área de promoção e assistência sociais, deve o Estado elaborar proposta orçamentária a fim de prestar serviços e desenvolver ações voltadas para o atendimento das necessidades básicas do idoso, mediante a participação das famílias, da sociedade e de entidades governamentais e não-governamentais, bem como estimular a criação de incentivos e de alternativas de atendimento ao idoso, como centros de convivência, centros de cuidados diurnos, casas-lares, oficinas abrigadas de trabalho, atendimentos domiciliares e outros.

Ainda no que se refere à área de promoção e proteção social, com a promulgação da Lei Orgânica da Assistência Social - a LOAS - a assistência social foi ordenada política pública garantidora de direitos da cidadania.

Implantado a partir de 2005 em todo o território nacional, o Sistema Único de Assistência Social (SUAS) efetiva, na prática, a assistência social como política pública de Estado, estabelecendo novo modelo de gestão, visando atender integralmente as pessoas dentro do seu contexto familiar e comunitário, respeitando-as na sua integralidade.

O SUAS estabelece dois níveis de proteção social: a básica - de caráter preventivo, cujo trabalho é realizado pelos Centros de Referência da Assistência Social (CRAS); e a especial, destinada a famílias e indivíduos que se encontram em situação de risco pessoal e social, por ocorrência de abandono, maus tratos físicos e/ou psíquicos, abuso sexual, uso de substâncias psicoativas, cumprimento de medidas socioeducativas, situação de rua, situação de trabalho infantil, entre outras situações de violação dos direitos.

No caso da proteção social especial, há dois níveis de complexidade: média e alta.

São considerados serviços de média complexidade aqueles que oferecem atendimento a famílias e indivíduos com seus direitos violados, mas cujos vínculos familiares e comunitários não foram rompidos. A proteção social de média complexidade é organizada nos Centros de Referência Especializados de Assistência Social (CREAS).

Os serviços de proteção social especial de alta complexidade são aqueles que garantem proteção integral - moradia, alimentação, higienização e trabalho protegido para famílias e indivíduos que se encontram sem referência e/ou em situação de ameaça, necessitando ser retirados do convívio.

É, pois, do Estado a responsabilidade de fazer o atendimento à pessoa idosa bem como à pessoa que sofre de transtornos mentais (aqueles que são comprometidos com o uso de drogas lícitas ou ilícitas) que estejam em situação de risco pessoal ou social.

O artigo 45 do Estatuto do Idoso conferiu ao Ministério Público o poder de determinar algumas medidas de proteção ao idoso que se encontrar em situação de risco. Ressalte-se, entretanto, que, uma vez determinada qualquer medida protetiva, esta deverá ser executada pelo órgão da Administração Pública, já que nem o Poder Judiciário nem o Ministério Público estão aparelhados para exercer essas funções típicas do Poder Executivo.

Em outras palavras, o Estado-Governo é que deve implementar as políticas públicas, as quais visam concretizar os direitos dos cidadãos, buscando a dignidade de todos e a solução dos problemas sociais, enquanto que ao Ministério Público cabe provocar os responsáveis, judicial ou extrajudicialmente, em caso de violação dos direitos sociais por ausência ou ineficácia de políticas públicas, a fim de garantir os direitos previstos na Constituição como fundamento do próprio Estado.

Portanto, se o CREAS recebe a notícia ou tem a possibilidade de verificar a situação de risco vivenciada por uma pessoa idosa deve, imediatamente, tomar as medidas necessárias para o caso, já que é o órgão que tem competência para tal. O Ministério Público deve agir em caso de inoperância dos órgãos do Estado a fim de compeli-los a tomar as providências exigíveis por meio das medidas judiciais ou extrajudiciais cabíveis.

Recentemente, ao decidir Recurso Especial em uma Ação Civil Pública proposta pelo Ministério Público do Estado do Mato Grosso do Sul (5), o Superior Tribunal de Justiça reconheceu que os direitos sociais não podem ficar condicionados à mera vontade do administrador, sendo imprescindível que o Judiciário atue como órgão controlador da atividade administrativa.

Com efeito, a omissão injustificada da Administração em efetivar as políticas públicas essenciais para a promoção de dignidade humana não deve ser assistida passivamente pelo Poder Judiciário, quando, de maneira clara e indubitável, direitos fundamentais forem violados por meio da execução ou da falta injustificada de programa de governo.

O problema é que cada ação judicial demanda tempo para a obtenção de uma decisão, que, mesmo sendo favorável, dependerá de certa vontade do administrador para executá-la, porquanto pode preferir (e muitos preferem) pagar a multa estabelecida.

Até 2025, segundo a OMS, o Brasil será o 6º país do mundo em número de idosos. Dados da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (PNAD) de 2007 mostram que a população idosa chega a quase 20 milhões de habitantes, ou 10,5% do total de brasileiros.

Como preconiza a ONU, é necessário promover o envelhecimento ativo, que compreende tanto a participação dos idosos na sociedade e nas políticas, como a atividade física e a vida saudável. É ainda fundamental que nos eduquemos devidamente para conviver com uma população idosa sem discriminação, ou seja, com respeito à dignidade da pessoa que envelhece.

Para isso a rede de atendimento à pessoa idosa é fundamental e precisa estar articulada numa diversidade de serviços, como a viabilização de formas alternativas de participação, ocupação e convívio do idoso, que proporcionem sua integração às demais gerações; atendimento especializado na área de geriatria e gerontologia nos serviços de saúde para prevenir, promover, proteger e recuperar a saúde do idoso; programas educativos, especialmente nos meios de comunicação, para informar a população sobre o processo de envelhecimento; programas habitacionais na modalidade de casas-lares; eliminação de barreiras arquitetônicas urbanas, entre outros tantos.

É triste reconhecer que vivemos numa sociedade onde os direitos sociais são identificados como favor, como tutela, como benefício e não prerrogativa para o estabelecimento de uma vida social digna e de qualidade.

Por proteção social entende-se o conjunto de ações que visam prevenir riscos, reduzir impactos que podem causar malefícios à vida das pessoas e, consequentemente, à vida em sociedade. A exclusão social ocorre quando determinado grupo ou parcela da sociedade é de alguma forma excluído dos seus direitos, ou, ainda, tem seu acesso negado por ausência de informação, por estar fora do mercado de trabalho, entre outras coisas. A inclusão, portanto, significa fazer parte, sentir-se pertencente, ser compreendido em sua condição de vida e humanidade. É se sentir pertencente como pessoa humana, singular e ao mesmo tempo coletiva.

Em outras palavras, o conjunto de direitos sociais descritos na nossa Constituição, garantidores de uma vida com dignidade, só podem ser exercidos com atuação positiva do Estado.

Exercer direitos não é questão de idade, de saúde mental, de condição social. Deve ocorrer em qualquer tempo da vida. Exige do sujeito tomada de consciência acerca de suas vivências cotidianas, de sua possibilidade de expressar necessidades de forma individual e coletiva.

(1) BRASIL, Constituição Federal, artigo 226, parágrafo 8º
(2) VIANNA, LUIZ WENECK, A Judicialização da Política e das Relações Sociais no Brasil. Ed. Renavan
(3) idem
(4) BRASIL - Lei nº 8.842, de 4 de janeiro de 1994
(5) REsp 1041197 - Min. HUMBERTO MARTINS - SEGUNDA TURMA - julgado em 25/08/2009

Revista Consulex, setembro de 2009

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