Oto de Quadros
Promotor de Justiça do MPDFT
Em 9 de setembro de 2009, a Primeira Seção do Superior Tribunal de Justiça considerou que a flexibilização dos horários de exibição da programação televisiva durante o horário de verão contraria a lei. O Ministro da Justiça havia dispensado as emissoras de rádio e televisão de observar os diferentes fusos horários brasileiros na vinculação da classificação indicativa dos programas exibidos em todos os Estados, estabelecida pela Portaria 1.220, de 2007. Em outubro de 2008 permitiu-se que, no horário de verão, fosse transmitida a programação em um único horário para todo o Brasil, desconsiderando as diferenças ocorridas diante da adoção ou não do horário de verão nos Estados. Ao votar, o relator, Ministro Teori Albino Zavascki, destacou a proteção constitucional e o dever da família, da sociedade e do Estado de garantir à criança e ao adolescente todos os direitos que possuem. Em razão disso, o cumprimento das normas de proteção não pode deixar de ser exigido durante o período de vigência do horário de verão.
Com esse entendimento, seguido à unanimidade pelos demais integrantes da Primeira Seção, deverão ser cumpridas, inclusive no período do ano em que vigora o horário de verão, as disposições contidas na Portaria 1.220, de 2007, segundo a qual a vinculação entre categorias de classificação da obra audiovisual e as faixas horárias de exibição, estabelecida por força da Lei 8.069, de 13 de julho de 1990 - Estatuto da Criança e do Adolescente -, dar-se-á nos termos seguintes: I - livre e não recomendada para menores de 10 anos: exibição em qualquer horário; II - não recomendada para menores de 12 anos: inadequada para exibição antes das 20h; III - não recomendada para menores de 14 anos: inadequada para exibição antes das 21h; IV - não recomendada para menores de 16 anos: inadequada para exibição antes das 22h; V - não recomendada para menores de 18 anos: inadequada para exibição antes das 23h. Na própria Portaria 1.220, de 2007, estabelece-se que a vinculação entre categorias de classificação e faixas horárias de exibição implica a observância dos diferentes fusos horários vigentes no País (art. 19).
Na Constituição Federal promulgada em 5 de outubro de 1988 preconizam-se os princípios constitucionais do interesse superior e da proteção integral à criança e ao adolescente, consubstanciados no mandamento que impõe à família, à sociedade e ao Estado o dever de assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão (art. 227). Na mesma Constituição estatui-se que a manifestação do pensamento, a criação, a expressão e a informação, sob qualquer forma, processo ou veículo não sofrerão qualquer restrição, mas a liberdade de informação jornalística em qualquer veículo de comunicação social deve assegurar a inviolabilidade da intimidade, da vida privada, da honra e da imagem das pessoas (art. 220 e § 1°); que «compete à lei federal regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao poder público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada» e «estabelecer os meios legais que garantam à pessoa e à família a possibilidade de se defenderem de programas ou programações de rádio e televisão que contrariem o disposto no art. 221, bem como da propaganda de produtos, práticas e serviços que possam ser nocivos à saúde e ao meio ambiente» (art. 220, § 3° e incs. I e II); e que a produção e a programação das emissoras de rádio e televisão atenderão aos seguintes princípios: I - preferência a finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas; II - promoção da cultura nacional e regional e estímulo à produção independente que objetive sua divulgação; III - regionalização da produção cultural, artística e jornalística, conforme percentuais estabelecidos em lei; IV - respeito aos valores éticos e sociais da pessoa e da família (art. 221).
A seu turno, no Estatuto da Criança e do Adolescente dispôs-se que a criança e o adolescente têm direito a informação, cultura, lazer, esportes, diversões, espetáculos e produtos e serviços que respeitem sua condição peculiar de pessoa em desenvolvimento (art. 71) e que a inobservância das normas de prevenção importará em responsabilidade da pessoa física ou jurídica (art. 73). No capítulo que trata da prevenção especial estabelece-se que o Poder Público, através do órgão competente, regulará as diversões e espetáculos públicos, informando sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada (art. 74), assim como, que as emissoras de rádio e televisão somente exibirão, no horário recomendado para o público infanto-juvenil, programas com finalidades educativas, artísticas, culturais e informativas, e nenhum espetáculo será apresentado ou anunciado sem aviso de sua classificação, antes de sua transmissão, apresentação ou exibição (art. 76 e par. ún.).
Com fundamento na Constituição, na Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança (1989) e no Estatuto da Criança e do Adolescente, é que o Brasil construiu um modelo de classificação indicativa para as diversões e espetáculos públicos depois de pesquisa em outros países e discutir amplamente com a sociedade civil organizada. Esse modelo veio a ser conhecido legalmente pela Portaria 1.100, de 14 de julho de 2006, do Ministro de Estado da Justiça, que regulamenta o exercício da Classificação Indicativa de diversões públicas, especialmente obras audiovisuais destinadas a cinema, vídeo, dvd, jogos eletrônicos, jogos de interpretação (RPG) e congêneres, que estabelece, entre outros pontos, a forma de veiculação da classificação indicativa. E, nos termos do disposto no Manual da Nova Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, aprovado pela Portaria 8, de 6 de julho de 2006, do Secretário Nacional de Justiça, uma das diretrizes a serem seguidas é a da universalização da classificação indicativa, porque a maioria das pesquisas sobre o tema indica que a classificação pública deve ser uma só, exibida em um mesmo formato e uma mesma linguagem - inclusive quando se considera o cinema, a televisão e os diversos tipos de jogos. Classificações diferenciadas acabam por confundir as famílias e reduzir a eficácia do sistema. Por isso que, também nos termos do mencionado Manual, as informações de classificação indicativa das obras audiovisuais devem ser divulgadas de forma padronizada, entendendo-se como tal, a definição e especificação de tamanho, cor, proporção, entre outros elementos, sendo que os símbolos e informações padronizadas devem estar visíveis em invólucros de mídias, livros de jogos de interpretação, banners e cartazes de divulgação, nas obras audiovisuais ou qualquer outro meio que contenha produto classificável.
No vigente modelo de classificação indicativa não há que se falar em censura. A informação sobre a natureza e o conteúdo de obras audiovisuais, suas respectivas faixas etárias e horárias é meramente indicativa aos pais e responsáveis, que, no regular exercício do poder familiar, podem decidir sobre o acesso das crianças e adolescentes a quaisquer obras classificadas. O exercício do poder familiar pressupõe o conhecimento prévio da classificação indicativa atribuída à programação e a possibilidade do controle eficaz de acesso por meio da existência de dispositivos eletrônicos de bloqueio de recepção de programas ou mediante a contratação de serviço de comunicação eletrônica de massa por assinatura que garantam a escolha da programação.
A violação a tais normas sujeita os responsáveis a penalidades administrativas estabelecidas no Estatuto da Criança e do Adolescente (arts. 252-255), aplicadas pela Justiça da Infância e da Juventude. O dever primeiro de classificar a obra é do realizador dela, o que é possível a partir do modelo implantado, que permite avaliação objetiva de cada obra. Esse dever decorre da própria Constituição Federal (art. 227). Ninguém refuta a necessidade de regulamentação acerca dos produtos e substâncias que contribuem para o desenvolvimento biofísico, principalmente das normas estabelecidas pela na Lei 8.078, de 11 de setembro de 1990 - Código de Proteção e Defesa do Consumidor - (art. 6º e inc. III, 8º-10, 30, 31), que estabelecem multas bem mais elevadas que as do Estatuto da Criança e do Adolescente. Não há como tornar facultativa a regulamentação relativamente às diversões e espetáculos públicos. Ninguém pode discordar que as diversões e os espetáculos podem contribuir para o desenvolvimento biopsíquico da criança e adolescente assim como causar sérios danos a esse desenvolvimento se o produto cultural for inadequado. Espera-se, pois, que família e sociedade conheçam e garantam com prioridade absoluta todos os direitos que crianças e adolescentes possuem.
Revista Sindpol/DF - Policial Federal em Ação - Ano 1 - nº 5