Ivaldo Lemos Júnior e Diógenes Coimbra
Dizer que vida e liberdade são valores e que, por tal razão, são protegidos por leis constitui inversão de ordem ontológica.
A vida do homem é sua realidade radical, ou seja, a realidade onde tudo o mais se radica, se enraíza, se arraiga. A vida consiste em ter de estar entre coisas e gentes, ter de fazer algo com elas para viver. Mesmo o deixar de viver seria um fazer algo a respeito da vida. A vida é a realidade dada, com a qual me encontro, mas é um dado que não é pronto, que precisa ir sendo feito pelo labor.
Nem sequer as possibilidades da vida estão feitas. Elas surgem de acordo com o projeto (pro-jectum = lançar à frente) particular de cada vida individual. Eis aí que entra a liberdade. O homem é vida para liberdade, liberdade que o constitui ontologicamente. Viver é ter de escolher entre muitos possíveis - realizáveis ou não, isso é outra questão -, que não são dados imediatamente pelas circunstancialidades. E não apenas escolher, mas construir. Nesse sentido, viver é faina poética, como dizia Ortega.
Ninguém perde nem ganha sua constituição ontológica pelo simples fato de um títere ou demagogo de plantão fazer insculpir em placas de ouro regramentos jurídicos que extingam ou estabeleçam direitos e deveres que mandem às favas ou às nuvens aquilo mesmo que o constitui como homem. A garantia à vida e à liberdade é um benefício conquistado a duras penas por uma parcela da humanidade que, apercebendo-se desses dados como valores, houve por bem preservá-los. Tais garantias não estão estabelecidas ad aeternam gloriam Status. Não existem direitos inextinguíveis nem valores que se convertem em desvalores da noite para o dia, como pensam os socialistas da hora.
O extinguirem-se direitos, por retirá-los de um livro, não implica que deixem simplesmente de ser. A vida é a realidade radical do homem, e a liberdade de projetar-se, propriedade que lhe é imanente, não se lhe pode quitar por qualquer expediente que lhe seja alheio, a mera força legal inclusive.
Ivaldo Lemos Júnior é promotor público e Diógenes Coimbra é filósofo
Jornal de Brasília