Antonio Suxberger
Promotor de Justiça
O Brasil parece sofrer com a nostalgia de um tempo não vivido. No último quarto do século passado, vários países europeus consagraram legislações, com destaque às de natureza penal, preocupadas com a proteção e a elevação de direitos e garantias individuais. A explicação: evitar que excessos do Estado social, presente entre os segundo e terceiro quartos do século passado, se prolongassem e, principalmente, se repetissem. Aqui não tivemos Estado social: quando muito, experimentamos algo próximo a um desenvolvimentismo. Mas afirmar que o Estado já se fez presente - até de modo excessivo - na concretização de direitos sociais e em favor de um interesse coletivo parece exagero. Sofremos excessos de um regime de exceção, é bom que não esqueçamos, mas suas razões pouco tiveram que ver com miopia a respeito da primazia de um interesse coletivo sobre o individual.
Talvez por isso a nossa Constituição sofra tanto para ser aplicada: menos por eventuais excessos de seu texto e mais por uma prática enviesada de seus intérpretes. O caráter analítico da Carta Política deu lugar uma "juridicização" da realidade: é como se tudo e todos tivessem que passar pelo crivo do Direito para assumir qualquer lugar de fala na sociedade. O Direito é importante, quanto a isso não há dúvida, mas nunca pretendeu e jamais poderá ensejar a expectativa de resolver tudo e para todos.
Muito por conta disso é que o enfrentamento da corrupção no Brasil se resume a práticas discursivas. Na prática, ao se punir corruptos, parece não bastar o que se diz. Quando se tem "papel passado", alguns ainda tentam fechar os olhos, ao argumento de que recibo não basta. Chegamos ao ponto, agora, de ter imagens. Alguns, num primeiro momento, afirmaram que as imagens não falam por si. Falam, então, por quê? E, o mais importante, por quem? Ficamos assim: nem recibo nem imagem. Nada é suficiente para demonstrar a realidade dura, que só é mesmo sentida por aqueles que precisam dos recursos que enchem meias e cuecas.