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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do MPDFT 

Cumprir a lei é uma questão de escolha individual. Posso ou não fazê-lo, e arcar com as conseqüências. Tenho liberdade para tomar essa decisão, mesmo em situações francamente desfavoráveis como, por exemplo, trancafiado em um presídio.

Na cadeia, não cabe a mim decidir quanto tempo ficarei, se aprecio a companhia dos vizinhos ou se a qualidade da comida me deixa com água na boca. A menos que eu me torne uma laranja mecânica, são sinais visíveis da minha mísera humanidade a remota chance de progredir de regime prisional ou um parente que me leva um bolo de fubá no dia de visita. Fazer rebeliões e queimar colchões podem ser também isso, como também podem não passar de expressões de malandragem, de bandidagem e nada mais.

Em um assalto, o dilema a-bolsa-ou-a-vida ainda respira o ar da liberdade. Ar impuro, sim, contaminado, doentio, com opções de ação demasiado limitadas em número, além de tremendamente desconfortáveis em gênero. Mas ainda é melhor do que o ladrão fazer isso pela vítima, decidindo ele mesmo levar-lhe a bolsa ou, pior, a vida. Ou pior ainda: os dois. Não deixa de ser um alívio perder documentos e uns pertences sem valor em função da sobrevivência. E mesmo pertences de muito valor, financeiro ou sentimental.

Assim, por paradoxal que seja, deixar de cumprir a lei significa exercitar a liberdade, ainda que isso seja injusto e que a irregularidade me traga conseqüências desagradáveis. É por isso que o direito aspira a que os destinatários não apenas acatem aos seus comandos, mas que sintam vontade de fazê-lo de modo o mais espontâneo possível, como se a ausência de punição, por si só, já significasse uma recompensa.

Muitos assaltantes ficam furiosos não porque não localizaram bens que justificassem o risco de sua empresa criminosa, mas porque não conseguiram incutir na vítima o ânimo suficiente para lhe obedecer. Nessas horas, pavor é melhor do que nada. O nada absoluto é a ciência de que o poder de mando não foi exercitado nem por um segundo sequer.

Jornal de Brasília

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