Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça
O problema filosófico mais fundamental - "o maior escândalo da filosofia", nas palavras de Sir Karl Popper - é a questão da realidade como certeza, ou seja, a tese irrefutável da realidade do mundo. A isso se convencionou chamar de senso comum - para muitos, de uma trivialidade que entra pelos olhos, a ponto de deixar de ser uma tese e passar a ser "apenas" o seu pressuposto.
O senso comum parece querer reproduzir, mutatis mudandis, aquele aforismo que veio de Hipona: quando não me perguntam, sei o que é; quando me perguntam, não sei. Ele funciona como uma espécie de opinião generalizada e aceita sem questionamentos, cujos alicerces devem ser funcionais, embora possam não ser verdadeiros.
O exemplo mais conhecido é a ideia de que a terra é plana. Milhões e milhões morreram sem saber que isso não era correto ou que não valia grande coisa. Mas valia sim. Se assim o fosse, as rotas de navegação do Renascimento não teriam abalado a geografia - e, com o tempo, a história, a religião, o direito, a biologia, a arte etc. - de todo o mundo, dos mais céticos e ignorantes inclusive.
Agora, o fato de que Plutão não é um planeta é mais uma questão da taxionomia astronômica do que de senso comum. Plutão simplesmente existe, indiferente ao que dissermos a seu respeito. Ainda assim, há algo de abstrato nessa existência, pelo fato de que o "planeta-anão" não tem nenhuma utilidade real para o homem comum, que nem pode enxergá-lo a olho nu, e nada poderia fazer se o pudesse. A distância que separa um e outro é simplesmente intransponível.
Por isso é que o senso comum é necessário mas não suficiente para a filosofia e a ciência. Teorias jurídicas nada mais são do que tentativas de se aperfeiçoar a noção elementar de que, no plano social, existe um certo a ser estimulado, e um errado que deve ser evitado, reprimido ou castigado. Existe um "social" na vida de cada indivíduo, do qual este não pode escapar, porque aquele, e somente aquele, consegue inventariar ou entesourar o passado.
Jornal de Brasília