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Daniel Bernoulli Lucena de Oliveira
Promotor de Justiça


Sempre que se falar em porte ilegal de arma de fogo desmuniciada, alguém apresentará argumentos contrários ou favoráveis à sua criminalização.

Ao fim e ao cabo, há dois caminhos a se escolher. O primeiro, acreditar que o legislador pensou no poder de intimidação que uma arma de fogo pode causar em diversos crimes que possam advir. Nessa lógica, o fato de existir ou não munição na arma de fogo em nada altera a circunstância e, portanto, estar-se-ia diante de um crime.

Por outro lado, imaginando que o legislador se preocupou com a lesividade (ainda que potencial) de uma arma de fogo, o fato de haver ou não projéteis ganha relevância, pois a conduta se esvaziaria e deixaria de configurar um delito.

Independentemente da adoção de uma ou outra tese (intimidação ou lesividade), o que a sociedade espera do aplicador do direito é coerência em seu agir.

Não há como ficar à mercê dos ventos jurisprudenciais que melhor convier, ora soprando para um lado, ora para outro. É preciso e exigido fidelidade ao posicionamento, sob pena de se perder o sentido das ações e do devido processo.

Em primeiro lugar, quem adotar a intimidação como critério racional para definir se há ou não crime, deve continuar aplicando a súmula 174 do Superior Tribunal de Justiça [01], ao avaliar o crime de roubo circunstanciado. É que toda discussão girou exatamente acerca dessas teorias. A coerência, assim, exige a coragem de ignorar os julgados mais recentes daquela Corte.

Voltando aos tipos penais que cuidam exclusivamente do porte ilegal de arma de fogo, há chamar atenção ao procedimento do delegado de polícia que lavra um flagrante de arma desmuniciada.

Após o auto de apresentação e apreensão da arma de fogo, sempre há um pedido ao instituto de criminalística, a fim de fornecer um laudo de exame de arma de fogo.

Não bastasse isso, o promotor de justiça aguarda a juntada do laudo e, caso demore, será inclusive motivo de prolongar a prisão cautelar do réu, por entendê-lo essencial à prova.

Esse procedimento é absolutamente contraditório, desarrazoado e caracteriza um gasto de dinheiro público e de tempo com algo inútil.

Afinal, como explicar a necessidade de comprovar que uma arma de fogo está apta a efetuar disparo, se, ao decidir que a conduta de portar arma desmuniciada ilegalmente configura crime? Em síntese, se o que importa é o poder de intimidação daquele instrumento, para que se comprovar sua aptidão para uso?

Seguindo essa mesma linha, quem entende que portar arma de fogo ilegal desmuniciada é crime, deve também concluir que portar arma de fogo ilegal e inapta para disparos é conduta delitiva.

Há quem alegue uma diferença básica entre uma arma de fogo que não tem munição e uma arma de fogo quebrada. Na primeira, basta inserir cartuchos e ela estará pronta para atirar. Esse argumento é tão inegável, como também o é o fato de, na segunda, bastar consertar a arma.

Desse modo, nota-se que, no momento em que o acusado é pego com a arma, a impossibilidade de utilizar o artefato é a mesma, esteja ela desmuniciada ou inapta para disparos. [02]

Retomando o raciocínio inicial, os adeptos da tese do poder de intimidação igualmente devem criminalizar a conduta de portar arma de brinquedo.

É bem verdade que houve um silêncio eloquente do estatuto do desarmamento, quando não fez menção expressa à arma de brinquedo, diversamente da antiga lei de armas [03].

Entretanto, isso não significa qualquer óbice a uma interpretação mais literal do tipo penal, que pudesse açambarcar o entendimento e manter a coerência na atuação processual.

Por fim, quanto ao porte de munição a que a lei também faz referência, tanto quem defenda o poder intimidatório, como quem acredite na potencialidade lesiva da conduta, deve considerar essa modalidade como inconstitucional, pois não atende nem a um, nem a outro critério, ferindo princípios como o da proporcionalidade e do devido processo legal.

Portanto, a problemática existente na conduta de portar ilegalmente arma de fogo desmuniciada não se resume a escolher a tese da intimidação ou da (potencial) lesão. Mais do que isso, exige-se coerência na escolha e fidelidade no modo de atuar.

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Notas

1. A referida súmula foi cancelada, mas constava com a seguinte redação: Súmula 174. No crime de roubo, a intimidação feita com arma de brinquedo autoriza o aumento da pena.

2. É preciso destacar que se o acusado possuir cartuchos a seu alcance, a arma deve ser considerada como municiada, pois a potencialidade lesiva está configurada.

3. Art. 10 da Lei n º 9.437/97 assim dispunha:

Art. 10. omissis§ 1º. Nas mesmas penas incorre quem:I- omissis

II- utilizar arma de brinquedo, simulacro capaz de atemorizar outrem, para o fim de cometer crimes"

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