Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça
A Constituição Federal prescreve que a Administração Pública é regida por vários princípios, como os da legalidade, publicidade, eficiência (sobre o qual falarei em breve) e moralidade, dentre outros.
O problema é que ninguém sabe direito o que significa essa moralidade, também chamada "moralidade administrativa".
Pode-se propor que o instituto diga respeito à exigência de o agente investido de qualquer autoridade, cargo ou função pública (portanto, trata-se de algo além do que se aplica às pessoas que trabalham na iniciativa privada ou que não trabalham) ser honesto, probo. Somente com um grau ao menos aceitável de decência é que o Estado teria credibilidade para impor os seus comandos e o seu poder; do contrário, agiria de modo hipócrita e odioso, valendo-se da força bruta e provocando a injustiça que revolta -- mais ou menos como a PM altamente corrompida, retratada no filme "Tropa de elite", cuja vocação seria proporcionar segurança à população como um todo.
Outros exemplos: o Fisco não teria condições morais de punir contribuintes por sonegação de impostos se ela própria não fosse a primeira a dar a lição, vale dizer, se os seus níveis internos de sonegação fossem elevados. Os órgãos públicos competentes não poderiam autuar pessoas que se utilizam de drogas ou que dirigem embriagadas se os seus próprios integrantes fizessem o mesmo, e assim por diante.
Embora esse raciocínio faça sentido, ele apresenta um defeito: um truísmo, ou seja, uma certa circularidade viciosa. Nos exemplos dados, tanto o uso de drogas e bebida quanto a questão de impostos são condutas proibidas por normas jurídicas, pelo que a probidade construída por quem se abstém de tais ilicitudes não está plasmada pelo princípio da moralidade, e sim pelo da legalidade. Bastaria que o sujeito cumprisse a lei, e fazê-lo não é prova cabal de honestidade. O jurídico absorveria então a moralidade, que, a rigor, nem sequer precisaria ser invocada, e isso parece, ao mesmo tempo, pobre e pretensioso.
Jornal de Brasília