Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça do MPDFT
Vamos imaginar que, em um parque público, uma placa avisa que seja "proibido pisar na grama". Mas que essa vedação seja facílima de ser quebrada até por crianças pequenas, porquanto não há muro ou qualquer mecanismo que impeça ou dificulte o acesso ao gramado; não há previsão de multa nem guardas fazendo rondas ostensivas.
Nesse caso, a norma tem muito mais uma característica moral do que propriamente jurídica, cujo acatamento se dá não pelo vexame dos efeitos imediatos, mas pelo exame da consciência do usuário de que a transgressão causará, com o tempo, a destruição da razão de valer a pena as pessoas (inclusive ele próprio) passearem no parque.
Nesse exemplo rápido reside a distinção fundamental entre o "errado" e o "ilegal" - embora nem mesmo aqui a coisa seja tão simples. Podem entrar em cena outros fatores que terão peso no processamento das decisões, até mesmo de ordem estética: as pessoas tendem a se comportar de um jeito ou de outro bem diferente se o parque for aprazível, limpo e bem-cuidado, ou se for sujo, com aspecto de abandonado, perigoso.
De qualquer modo, os adjetivos "errado" e "ilegal" não são sinônimos, até porque, se o fossem, não poderia haver qualquer critério que conduzisse o conteúdo da regra a ser erigido como algo merecedor de consistência jurídica. Bastaria que o legal falasse por si, como uma prova mais do que como um produto da inteligência, e que cada apreciação individual à luz da própria sensibilidade fosse tratada, em última análise, como um delito contra o Estado.
Por livre e espontânea vontade, as pessoas não aceitam tal impostura ("há em nós um poder autônomo, insuprimível, de ajuizar do justo e do injusto", Del Vecchio), salvo em situações de baixa intensidade moral, como no domínio do trânsito, em que alguma sinalização e algum limite de velocidade são de rigor necessário, ainda que discutível no detalhe.
Essa faculdade originária não se induz da experiência e tem um nome. Anotem: esse nome é "sentimento".
Jornal de Brasília