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Rose Meire Cyrillo
Promotora de Justiça do MPDFT

Na atual da quadra da humanidade onde as relações sociais são pautadas pela supremacia do modelo antropocêntrico sobre o biocêntrico, com a conseqüente hipertrofia do ego e fortalecimento do individualismo, soa como heresia a busca do reconhecimento e da convivência pacífica com o outro, verdadeira antítese ao discurso científico-racional da modernidade, que desconsidera a eticidade da existência do outro, em sua totalidade, não importando quem ele seja.

Reconhecer-se no outro, sem pré-juízos, pré-conceitos, rótulos, etiquetas ou estigmas, mesmo diante da diversidade cultural, étnica, religiosa latente entre os seres, procurando desconstruir modelos de exclusão existentes desde a antiguidade, onde, por exemplo, as categorias das crianças e dos deficientes não existiam no contexto social, os escravos eram considerados "coisas", entre outras anomalias, é valorizar e construir com o diferente. Também em essência somos todos iguais: humanos, em demasia, como já disse Nietzsche, cidadãos do Universo, sem a exclusão do brilho e da sombra que cerca a natureza humana. Ao mesmo tempo somos todos distintos, sendo que qualquer tentativa de nivelamento, assemelhação, classificação ou manipulação que o valha, soa como dominação, opressão e imposição de "verdades absolutas".

Quando não nos apartamos do outro, não só vivemos (ato solitário e egoístico), mas, principalmente, convivemos e nos relacionamos com toda a sua riqueza interior, apreendemos os seus valores, acolhemos suas particularidades e nessa aceitação do pluralismo, crescemos e nos fortalecemos. Nesta perspectiva, não há espaço para a intolerância, nem exclusão do diferente. Há uma complementariedade do agir que nos torna inter e intradenpendentes.

Neste tipo ideal de relação alteritária, tão bem detalhada nas obras de Lévinas e Dussel, a racionalização e as idéias pré-concebidas, categorias fundamentais das relações autoritárias, de poder e força, não encontram espaço para disseminar o ódio e o separatismo que alimentam a violência estrutural dos dias atuais. Não há sujeitos-padrão. Quando reconhecemos o outro em nós, descobrimos que somos responsáveis por ele, percebemos, perplexos, que ele tem os mesmos direitos e deveres que nós, não obstante os diferentes graus de compreensão que temos, nós e ele, diante de um mesmo fenômeno.

Instados a nos posicionar diante dessa nova forma de enxergar o outro e o mundo nos deparamos com a necessidade de promover e realizar uma determinada categoria de direitos fundamentais da pessoa humana: direitos de 5ª geração ou direitos de solidariedade/fraternidade, onde estão incluídos o direito à paz, à democracia sem exclusão e desigualdade, em outras palavras, direito a uma vida digna. Como exercício inicial poderíamos começar lançando um "olhar" mais completo à mulher, enquanto "outra", ser diferente, ente feminino totalmente diverso do homem e, que por isso não pode ser transformada em objeto de opressão, agressão e outras indignidades. A preponderância da violência do masculino sobre o feminino é antiga, desde os sacrifícios das virgens aos deuses, passando por Platão, para quem a única utilidade da mulher era gerar o filho, com uma parada em Aristóteles, que deixou claro na Ética a Nicômaco que o homem livre é animal político e, a mulher, submissa a ele e sua serviçal.

Sob a ótica da alteridade, o ato de "olhar ao redor" nos oferece a oportunidade de ver a realidade do outro, através de seus "olhos", de sua dor e das circunstâncias que o faz ser como ele é. Não é uma tarefa fácil trocar de lugar com o excluído, com o marginalizado, com o estigmatizado, com o encarcerado....contudo, através desta troca momentânea de identidade podemos compreender melhor todo um estado de coisas e, com isso, tornar legítima qualquer tipo de ação que envolva o outro, afetando-o em sua dignidade e multifacetária existência.

Precisamos aprender a ver o outro com os "olhos do coração", assim como quem olha um filho dormindo, transmutar a sabedoria Crística de tratarmos o outro da forma como gostaríamos de ser tratado, do plano do "dever-ser", para o plano do "ser". Somos mais que as "coisas pensantes" de Descartes, muito mais que os entes heideggerianos abertos ao ser "objeto do mundo"; somos indivíduos libertos e, como tais, devemos cuidar para que nossas relações diárias com o colega de trabalho, com os filhos, marido, com o vizinho, com a natureza, etc, primem pela valorização do ser em si, sem interesses outros (utilitarismo e dominação), apenas respeito, compaixão e escuta ativa, desinteressada.

Site do Clube Jurídico do Brasil (www.clubjus.com.br)

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