Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça
Xantipa era a mulher de um homem chamado Sócrates. Esse Sócrates viveu há muitos e muitos séculos, era inteligente e famoso, e era também casado, como já disse, com a Xantipa. Sobre esta pouco sabemos, a não ser que era a própria megera, a jararaca em pessoa.
Se cozinhava bem ou se dispunha de dons artísticos, não podemos dizer. Desconhecemos suas qualidades intelectuais ou manuais, seus atrativos financeiros ou aspectos ligados à sua formosura física. Não é impossível que tivesse predicados positivos, superficiais ou mais profundos. Era uma megera, pronto, acabou-se.
A história (fictícia e real) está recheada de megeras, como Herodíades, Katherina Minola, A Madrasta da Cinderela. Nessa lista é capaz que haja espaço para se incluir Betsabé, Dalila, Capitu e Odete Roittman. Mas ninguém parece superar a ela, Xantipa. Esta, o exemplo mais bem acabado da megera, a megera por antonomásia: A Megera.
Pois eu sugiro que nem Xantipa era xantipa. Que ela não fosse tão ruim quanto dizem. E não lanço essa insinuação pelo simples fato de que Xantipa tivesse um marido (o Sócrates), de tal modo que ele, pelo menos ele, tivesse que aturá-la. Quem sabe ele não poderia ter encomendado sua morte, ou tê-la matado pessoalmente - embora o seu "daímon" devesse tê-lo aconselhado do contrário, como de costume.
Em vez disso, ele preferia perguntar ao sapateiro, O que é valor?; à cortesã, O que é justiça?; ao militar, O que é ciência? Até ao sofista ele perguntou O que é a amizade?
Essas indagações são filosóficas e de mau gosto, e o resultado do questionário não foi dos melhores porque humilhou as pessoas e expôs suas ignorâncias. Confirmou-se assim o oráculo sobre a sapiência incomparável de Sócrates e o desfecho derradeiro foi bem trágico, bem grego. Mas, que eu saiba, a Xantipa não tinha nada a ver com isso.
Talvez tenhamos uma necessidade insopitável de arrolar "o melhor" ou "o maior" em tudo. Talvez a Xantipa fosse só uma xantipa, não A Xantipa. Pode ter coisa pior por aí.
Jornal de Brasília