Ivaldo Lemos Junior
Promotor de Justiça

A ideia de "sociedade" é marcada pelo signo do número, e não sem uma boa razão. Quando pensamos no assunto, descartamos que a "sociedade" possa se constituir em uma única pessoa, ou uma família, ainda que extensa, ou em agrupamentos perfeitamente destacáveis, como "advogados", "feministas", "fãs de música baiana" ou "torcedores do Botafogo".

Afinal, o elemento em comum entre o pessoal do axé-music e o do Fogão são demasiado frágeis e costumam se dissolver assim que o show ou o jogo terminam. Por sua vez, ninguém é obrigado a ser advogado ou feminista; uns e outros podem deixar de sê-lo a qualquer momento, o que mostra que tal aspecto não era tão marcante nem mesmo para o próprio indivíduo.

Mas também sabemos que a noção de "sociedade como um todo", a englobar a inteireza de seus componentes, é uma abstração jurídica que só funciona quando determinado tema provoca interesse real independentemente de peculiaridades pessoais ou grupais. É o caso de desastres naturais ou desequilíbrios ambientais.

Os efeitos de um terremoto ou da poluição dificilmente conseguirão ser sentidos desigualmente por torcedores de times diferentes ou por integrantes de categorias profissionais distintas. As variações vão depender da própria capacidade de administração da crise ou do caos.

Raciocinemos desta forma: se a "sociedade brasileira" chegou até este começo do século XXI - e não há o menor sinal de que esteja em vias de desaparecer de uma hora para outra -- é porque a sua geografia sobreviveu à sua história, e isso só foi e é possível em virtude da mobilidade intrínseca que é condição para o progresso. Progresso que não significa desenvolvimento, e sim o reconhecimento de que atravessamos os últimos séculos e, bem ou mal, continuamos por aqui.

Essa constatação certamente depende de muitos anônimos que procriaram com eficiência e contribuíram para o sucesso numérico da sociedade. Mas também depende de uns poucos que suplantaram a neurastenia seminal e deixaram outros tipos de espólios.

Jornal de Brasília