Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça do MPDFT
As ocupações jurídicas todas elas consistem em três rotinas fundamentais: ler, pensar e escrever. Tais coisas são estritamente mentais, muito embora o intelecto precise fazer concessões ao corpo que o sustenta. Quem já passou por momentos severos de estudos sabe o quanto o período é fisicamente exaustivo: dorme-se mal, alimenta-se pouco, o nível de stress é elevado etc. Sem contar que é altamente viciante.
Creio que o que vai ser dito sobre as funções que eu exerço no meu ganha-pão - a do promotor público -- vale também para o advogado, o juiz, o consultor, além de outros ramos profissionais não necessariamente ligados à área de atuação do direito.
Pois bem. Ao se desembaraçar da feitura de uma peça sob seus cuidados, o promotor deve ter em mente TODOS os elementos de que dispõe, inclusive os inconvenientes ou desfavoráveis, os mais obscuros e de difícil interpretação. Cada elemento conta porque ele é parte de uma só realidade, e pode até não ser utilizado naquele momento, mas talvez o seja em outro, por outro ator do processo, de tal modo que convém ao menos enxergar sua existência e vislumbrar seus desdobramentos.
Diante do maior domínio possível dos fatos, o promotor deve, então, separá-los, ordená-los, analisá-los - para novamente reuni-los.
Não é problema se a primeira versão da peça não for boa. Muito pelo contrário, é até interessante que a primeira versão não seja nada boa, porque assim o promotor mostrará a ele mesmo que está diante não somente de um processo a mais, e sim diante de um problema (ou de um feixe de problemas). E que esse problema deve ser amadurecido pela paciente via da familiaridade com suas nuances, não por decisões tomadas de antemão e pelo preconceito inspirado pela banalidade da simplificação e do afogadilho burocrático. Mesmo em um singelo crime de lesão corporal, ele deve ter um bom motivo para acreditar ao menos que a vítima esteja dizendo a verdade. E isso é curioso porque, de um modo geral, ele não tem nenhum.
Jornal de Brasília