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Antonio Henrique Graciano Suxberger
Promotor de Justiça do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, mestre em Direito, Estado e Constituição pela UnB.

O Instituto de Estudos Econômicos, Sociais e Políticos de São Paulo - Idesp, com apoio da Fundação Ford, realizou pesquisa que contou com mais de 1.200 entrevistas com delegados de polícia em nove estados brasileiros. A pesquisa, entre outros dados, verificou que 59% desses delegados consideram a atuação do Ministério Público nos conflitos envolvendo a Polícia Civil um "obstáculo relevante" à eficácia policial (cf. SADEK, M. T. org. Quem são e o que pensam os delegados de polícia. São Paulo: Fundação Ford, Idesp, Editora Sumaré, 2003). Ao se deparar com o resultado da pesquisa, Marcos Rolim afirma que "o que se descobre na pesquisa é uma mentalidade corporativa e autocentrada: uma polícia avessa a qualquer controle e que gostaria de gozar uma autonomia absoluta; no geral, hostil para com as reformas de conteúdo democrático; e indiscutivelmente saudosa do período de arbítrio" (in: A síndrome da rainha vermelha: policiamento e segurança pública no século XXI. Rio de Janeiro: Jorge Zahar Editora; Oxford, Inglaterra: University of Oxford, Centre for Brazilian Studies, 2006, p. 49).

A valer, mais que ensejar a crítica ácida, o resultado da pesquisa revela a necessidade de que adotemos entre nós, senão a expressão, ao menos a idéia de law enforcement. Com efeito, a expressão inglesa presta-se a bem espelhar o papel exercido pela Polícia, pelo Ministério Público e por outras agências estatais incumbidas de assegurar a efetividade da ordem jurídica e sua observância tanto no plano estritamente jurídico quanto no plano, que aqui importa, da segurança pública.

A discussão estéril a respeito do poder investigatório do Ministério Público é triste exemplo dessa fuga dos verdadeiros problemas que assolam a resposta estatal à criminalidade. É evidente que a atividade investigativa, por força da própria razão de ser do Ministério Público, revela-se inafastável dele. Infelizmente, ainda que por poucas vezes, não é essa a percepção presente na relação entre Ministério Público e Polícia. De um lado, tem-se uma polícia, que ignora o difícil dilema de ora atender sua finalidade de braço do sistema de justiça criminal ora priorizar estratégias de redução da criminalidade. A incursão em tal dicotomia esbarra necessariamente no enfrentamento de deficiências hoje presentes no modelo de polícia estatal brasileiro: reativo, ultrapassado e, principalmente, marcado por um isolamento social da comunidade destinatária de sua atuação. De outro lado, longe de estar imune a críticas, por evidente, tem-se um Ministério Público ainda caminhando na efetivação e na prática da missão constitucional a ele outorgada. Titular da ação penal e agente materializador do modelo acusatório de persecução estatal, o órgão hoje também sofre do mal de isolamento, embora tal vezo, aos poucos, seja superado por iniciativas que aproximam seu trabalho da sociedade.

Em lugar do trabalho isolado - e aparentemente antagônico para alguns poucos - urge que Polícia e Ministério Público assumam a percepção de que integram o mesmo esforço estatal em assegurar a dignidade de todos, seja por meio de iniciativas que permitam a implementação das garantias constitucionais do cidadão numa dimensão individual, seja por meio de um trabalho conjunto que permita vislumbrar igualmente a dignidade humana em sua acepção coletiva: o resguardo da segurança pública como direito de todos e responsabilidade prioritária do Estado.

Se a criminalidade mais nociva ao seio social hoje se apresenta fluida, orquestrada e atenta aos movimentos do próprio Estado, uma das possíveis respostas a esse fenômeno reside na percepção de que a atividade investigativa não é monopólio desta ou daquela instituição: é atividade concorrente e precípua de todo o aparato estatal dirigido à efetivação do projeto constitucional de segurança pública. Na relação entre Polícia e Ministério Público, em lugar de enxergar um "obstáculo relevante" a qualquer atividade, é preciso ter consciência de que, para legitimar e justificar a própria existência da resposta estatal ao fenômeno criminoso, é preciso ver no outro justamente o braço necessário a alcançar objetivos mais relevantes ao interesse comum.

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