Inácio Pereira Neves Filho
Promotor de Justiça
Era um processo em que a ré, uma gari e catadora de papel, era acusada de maus tratos contra animais, cuja infração penal prevê pena de prisão de dez dias a um mês. O pangaré - puxador de carroça, havia sido apreendido na via pública do Gama e levado para um pasto do GDF, onde permanecia preso.
Em audiência de julgamento, a ré permaneceu a todo tempo de pé e repentinamente começou a fazer sustentação oral. Zangada, exigia um habeas corpus para Rocim. Não entendia porque seu animal era contraventor. Afinal, que contravenção teria ele praticado? Pediu o arquivamento do processo sob o argumento de que Rocim estava preso há mais de 3 meses, então já tinha cumprido a pena. Expunha com tanta desenvoltura sua tese que prejudicou a atuação do defensor público, que ficou silente.
Dirigi-me ao juiz e aos presentes, sem rodeios: "Não vejo infração penal". Vou arquivar, mas preciso dar uma bronca nessa velha, pensei. Afinal, as fotos mostravam um Rocim caquético e com pisaduras.
Do nada, a ré contou que um filho seu encontrava-se preso. Veio-me então uma ideia genial: "Vamos fazer o seguinte", falei sério. "A gente solta o seu filho... pra soltar o cavalo tá difícil." Ela caiu em choro: "Não Doutor, pelo amor de Deus, solta o Rocim". "E seu filho?", retruquei. "Ele tá preso porque quer. Não ensinei ele a roubar, nem a mexer com essas porcarias (droga). Ele que pague pelo que fez."
Antes que eu requeresse o arquivamento, uma estagiária de Direito quis provar seus conhecimentos: "Doutor, porque o senhor não alega o princípio da insignificância? O da razoabilidade ou o da proporcionalidade?" Poxa vida, pensei comigo: a loira é bonita e ainda muito inteligente. Agradeci-a profundamente por ter me socorrido com tão importantes teses jurídicas. No fim da audiência, já com a ordem de liberação do animal, a ré respirou aliviada, deu um largo e prolongado sorriso desdentado, correu e foi abraçar Rocim.
Jornal de Brasília