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Ivaldo Lemos Júnior
Promotor de Justiça

Se a sua resposta à pergunta do título for "sim", você deverá ter passado por uma daquelas situações de perder a cabeça – e de fato perdeu. Aconteceu de você sentir o que os juristas chamam de "animus laedendi", que é vontade de lesar alguém, como por exemplo, o "animus necandi", vontade de matar. Em Direito Penal, essas coisas são fundamentais para caracterizar uma conduta criminosa, bem como o tipo exato de delito e sua gravidade. Se não houver o reconhecimento do "animus necandi" do assassinato, o sujeito pode ser condenado por homicídio culposo ou lesão corporal seguida de morte, que tem castigos bem mais leves, ou ser absolvido.

No jurídico, o "animus" ou dolo é comumente definido como "vontade livre e consciente" e, de um modo geral, isso costuma bastar. Os militantes da área não parecem ter interesse em conhecer mais a fundo teorias sobre a vontade, a liberdade e a consciência, porque esses fatores funcionam como dados não muito problemáticos, de uma hermenêutica singela, que constata pouco abstratamente que um crime foi praticado, uma vez que um cadáver foi encontrado, ou uma residência, saqueada. Daí a relevância de se refletir sobre os mesmos fatores também quando nenhum crime foi cometido, e o sujeito resistiu à tentação de dar vazão a seus intentos potencialmente delituosos. Ou seja, quando ele responde "não" à pergunta feita no título deste artigo.

Um profissional do Direito pode se dedicar por várias décadas às lides penais, e jamais ter aberto um livro de psicologia ou filosofia de estudos sobre a mente. Para si, o máximo de sofisticação consiste nas distinções entre dolo direto e eventual, ou culpa consciente e inconsciente, grosseiramente explicadas em manuais. A beleza da história da introspecção e do autoconhecimento, e os resultados práticos que podem ser aplicados a situações reais, não passam de teses indemonstráveis ou "interessantes", mas a título apenas de uma vaga curiosidade.

Então a reflexão se mantém: por que os valores obrigam? O que fazer diante de um "animus necandi" que me atormenta neste exato momento: matar ou não matar?, eis a questão. No último caso, por medo de ser preso ou, muito pelo contrário, por entender que matar é um ato errado em si e portanto tem que ser evitado?

Há várias décadas, um antropólogo chamado Bronislaw Malinowski fez uma proposta arriscada, ao defender que a função essencial da lei é reprimir certas propensões naturais, limitar e controlar os instintos humanos e impor um comportamento obrigatório e não espontâneo – em outras palavras, assegurar um tipo de cooperação baseada em mútuas concessões e sacrifícios para um fim comum. Essa especulação é tão plausível quanto se propugnar a possibilidade de se desenvolverem mecanismos inatos de autocontrole dos mesmos "instintos humanos" e "propensões naturais" – seja lá o que isso for –, o que faria do Direito algo, ao menos em grande parte, inútil. É melhor que os juristas acreditem que o homem seja mau "por natureza" e que a tradição de hostilidade em relação a toda a autoridade não se justifica. Mas isso teria que valer para todos os que dividem a natureza humana, inclusive os criminosos.

Ou então a tese de Malinowski está certa. Digamos que em situações de perigo comportamental a angústia ou o "animus laedendi" não estejam sob o controle de gatilhos metabólicos e sim de métodos de aprendizado que se submetem a longas provas de fogo, e o que vem da natureza seja a dotação da capacidade de aprender os tais métodos artificiais. Mas como estes podem ser dos mais variados tipos, a função daquilo que Malinowski chamou de "lei" pode ou não se identificar com a norma jurídica e todo o aparato material repressivo que existe para sua aplicação.

Continuarei sobre o assunto na segunda parte deste artigo, amanhã.

Jornal de Brasília

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